sábado, 21 de agosto de 2021

O mistério do transporte de água

Como a água sobe do solo até as folhas? Para mim, essa pergunta simboliza nosso estado atual de conhecimento científico sobre a floresta, pois comparativamente o transporte de água é um fenômeno mais simples de pesquisar do que a dor ou a comunicação entre as árvores. E, como parece tão banal, há décadas os professores universitários têm oferecido explicações bem simples.
Sempre me divirto ao discutir esse tema com os alunos. Atualmente, a resposta é que a água é transportada por capilaridade, ou força capilar, e transpiração. A primeira é fácil de observar no café da manhã. A capilaridade é a propriedade física que faz o café ficar alguns milímetros acima da borda da xícara cheia – sem essa força, a superfície do líquido teria que ser completamente horizontal. Quanto mais estreito for o recipiente, mais alto um líquido pode subir contra a força da gravidade. E, de fato, o sistema condutor de água das árvores frondosas é bem estreito: mede apenas pouco mais de 0,5 milímetro. No caso das coníferas, o diâmetro é ainda menor e pode chegar a 0,02 milímetro. No entanto, isso não basta para explicar como a água alcança a copa a mais de 100 metros de altura, pois, mesmo nos tubos mais finos, a capilaridade faz o líquido subir no máximo 1 metro.
A segunda parte da resposta leva à transpiração. Em meados do verão, as folhas e agulhas transpiram; a faia adulta pode transpirar muitas centenas de litros de vapor d’água por dia. Esse fenômeno produz uma sucção que puxa um suprimento constante de água para cima pelos sistemas condutores da árvore. Ele funciona enquanto a coluna de vapor d’água for produzida de maneira contínua. As moléculas se ligam umas às outras enfileiradas e, quando as folhas abrem espaço para a transpiração, se puxam mutuamente um pouquinho para cima pelos sistemas internos.
No entanto, como essa medida não é suficiente, a osmose também entra em cena. Se a concentração de açúcar em uma célula for maior do que a da vizinha, a água fluirá através das paredes, indo da que tem solução com maior concentração para a de menor concentração até que ambas apresentem o mesmo percentual da substância. Se esse processo ocorre de célula em célula até a copa, a água acaba subindo.
A pressão nas árvores é maior pouco antes de as folhas brotarem na primavera. Nessa época, a água sobe pelo tronco com tanta força que é possível ouvi-la com o auxílio de um estetoscópio. No noroeste dos Estados Unidos, é dessa forma que se faz a coleta de xarope do bordo, extraído durante o derretimento da neve. Só nesse momento é possível coletá-lo, pois a árvore não tem folhas nos galhos, portanto não é capaz de transpirar.
Com isso eliminamos a transpiração como uma das forças impulsionadoras, e as forças capilares também são descartadas por só conseguirem bombear até 1 metro de altura. De qualquer forma, nesse momento ocorre um bombeamento dentro do tronco. Ainda restaria a osmose, mas esta também me parece improvável, afinal só atua nas raízes e nas folhas, não no tronco, formado não por uma sequência enfileirada de células, mas por tubos longos e contínuos.
Dessa forma, não se conhece o mecanismo de transporte de água das árvores, porém um estudo recente descobriu algo que ao menos põe em cheque o efeito da transpiração e das forças de coesão da água (união de suas moléculas): cientistas de três institutos (Universidade de Berna; Instituto Federal de Pesquisa sobre Florestas, Neve e Paisagem; e Instituto Federal de Tecnologia em Zurique, todos na Suíça) realizaram um estudo mais profundo e registraram um leve chiado dentro das árvores, emitido sobretudo à noite, quando grande parte da água está no tronco, pois a copa deixa de realizar a fotossíntese e mal transpira. Nesse momento as árvores acumulam tanta água que o diâmetro de seus troncos chega a aumentar. A água fica praticamente parada nos condutores internos. Nada flui.
De onde vêm os ruídos? Os pesquisadores supõem que são resultantes de pequenas bolhas de dióxido de carbono (CO2) que se formam nos tubos estreitos cheios d’água. No entanto, se há bolhas nos condutores, isso significa que a via de água é interrompida milhares de vezes, e dessa forma a transpiração, a força de coesão e as forças capilares quase não conseguem contribuir para o transporte.
Portanto, muitas perguntas permanecem sem resposta. Talvez estejamos ainda mais distantes de uma explicação possível, porém mais perto de um novo mistério. De qualquer forma, ambas as hipóteses são intrigantes.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

Nenhum comentário:

Postar um comentário