As três se juntaram para abrir uma
boutique na Zona Sul, que já tem duzentas e cinquenta mil boutiques.
Que mal faz ter duzentas e cinquenta mil e uma? Essa vai pegar.
Estão cheias de ideias. “De
relâmpagos”, diz Carla. Está na moda o lenço feito de pano de
prato? Vamos lançar o lenço de saco de aniagem, que machuca muito
mais. Hora de machucar.
Beth cuida de produzir o chapéu de praia
desenhado pelo Fifinho, seu irmão mais jovem (quinze anos). Chapéu
inexistente em cima, só tem aba, que é de três cores bem
espantadas. Com um chapéu desses, a gente protege os olhos e areja a
cuca, um barato.
Milu descobriu que sapatos, sandálias,
chinelos e tudo mais que serve para encadernar os pés sofre de
triste monotonia: o par. Ela inventou o díspar, com feitio e cor
diferentes para cada pé. Quentérrimo, pois não?
Novidades assim garantem su tremendo para
a boutique. Resta um problema: nome. Todos os nomes foram tomados
antes que as três se lembrassem de entrar no comércio. Aniki Bobó,
Lelé da Cuca, Dumba, Sexy, Obvius, Trapo, Tanajura, Chez Elise…
Carla tem um relâmpago:
— Já sei. Vai ser Ptyx.
Milu e Beth, um susto:
— Que que é isso?!
— Tirado de um soneto de Mallarmé,
suas burras. Quer dizer concha, búzio.
— Difícil de pronunciar — opina
Milu.
— Bom, se o negócio é literatura —
propõe Beth — eu sou mais Annabel Lee, de Poe.
— Não dá pé. Lembra defunto.
— Então Diadorim, do Guimarães Rosa.
— Diadorim já é lanchonete em Ipanema
e jornal em Minas.
— Tintim. O “tintim olalá” dos
coretos de Diamantina.
— Fica melhor num bar, né?
E Bigodão, que tal Bigodão? Hoje é
universal. Por isso mesmo, vetado. Boutique pede nome com segunda ou
terceira conotação, fagulha escondida. Druid? Pink?
Scup? Dicionário aberto, cachoeira de
possibilidades. Milu propõe Zebra. Era o que faltava. Daí a pouco
você vai lembrar Coluna do Meio… Laranja Quadrada é um bom
título, vocês não acham? Ninguém achou.
Recorreram a lembranças domésticas,
baú, gangorra, quintal, castiçal, penico. Penico até que era
legal, mas…
— Penico de ágata — insiste Milu.
— De ágata ou de porcelana, dá na
mesma.
Nas lembranças de família, Vó
Capitulina teve um voto. Capitu já é alguma coisa por aí,
negativo.
— E Fio Maravalha?
— Maravilha, você quer dizer?
— Agora é a minha vez de xingar você
de analfa. Maravalha é bagatela, e o que que tem numa boutique?
Bagatelas. Beth deu um pulo:
— Máfia!
— Tá doida? Isso é nome sério.
— E daí? Não tem boutique chamada
Smuggler? Outra chamada Mescalina?
— Ei, pessoal, e se a gente partisse
para uma zorra assim como Não Vem de Terninho que Eu Já Vou de
Topless?
— Cafonice demais, Beth. Além de dez
quilômetros.
Vão passar a vida discutindo. É capaz
de nem se fazer a boutique, por falta de nome. Ou por excesso deles.
Quando chega o Fifinho, brandindo pasta de colégio, enorme, e ainda
maior erudição:
— Besteira, gente. A boutique vai se
chamar Butica. Escreve-se com “o”, mas com “u” fica mais
legal. É loja de varejo, e farmácia do tempo da vó. Vou pintar as
letras: Boutique Butica, e não se fala mais nisso.
Aprovação geral. Aguardem no Leblon.
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
Nenhum comentário:
Postar um comentário