quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Nome de boutique

As três se juntaram para abrir uma boutique na Zona Sul, que já tem duzentas e cinquenta mil boutiques. Que mal faz ter duzentas e cinquenta mil e uma? Essa vai pegar.
Estão cheias de ideias. “De relâmpagos”, diz Carla. Está na moda o lenço feito de pano de prato? Vamos lançar o lenço de saco de aniagem, que machuca muito mais. Hora de machucar.
Beth cuida de produzir o chapéu de praia desenhado pelo Fifinho, seu irmão mais jovem (quinze anos). Chapéu inexistente em cima, só tem aba, que é de três cores bem espantadas. Com um chapéu desses, a gente protege os olhos e areja a cuca, um barato.
Milu descobriu que sapatos, sandálias, chinelos e tudo mais que serve para encadernar os pés sofre de triste monotonia: o par. Ela inventou o díspar, com feitio e cor diferentes para cada pé. Quentérrimo, pois não?
Novidades assim garantem su tremendo para a boutique. Resta um problema: nome. Todos os nomes foram tomados antes que as três se lembrassem de entrar no comércio. Aniki Bobó, Lelé da Cuca, Dumba, Sexy, Obvius, Trapo, Tanajura, Chez Elise…
Carla tem um relâmpago:
Já sei. Vai ser Ptyx.
Milu e Beth, um susto:
Que que é isso?!
Tirado de um soneto de Mallarmé, suas burras. Quer dizer concha, búzio.
Difícil de pronunciar — opina Milu.
Bom, se o negócio é literatura — propõe Beth — eu sou mais Annabel Lee, de Poe.
Não dá pé. Lembra defunto.
Então Diadorim, do Guimarães Rosa.
Diadorim já é lanchonete em Ipanema e jornal em Minas.
Tintim. O “tintim olalá” dos coretos de Diamantina.
Fica melhor num bar, né?
E Bigodão, que tal Bigodão? Hoje é universal. Por isso mesmo, vetado. Boutique pede nome com segunda ou terceira conotação, fagulha escondida. Druid? Pink?
Scup? Dicionário aberto, cachoeira de possibilidades. Milu propõe Zebra. Era o que faltava. Daí a pouco você vai lembrar Coluna do Meio… Laranja Quadrada é um bom título, vocês não acham? Ninguém achou.
Recorreram a lembranças domésticas, baú, gangorra, quintal, castiçal, penico. Penico até que era legal, mas…
Penico de ágata — insiste Milu.
De ágata ou de porcelana, dá na mesma.
Nas lembranças de família, Vó Capitulina teve um voto. Capitu já é alguma coisa por aí, negativo.
E Fio Maravalha?
Maravilha, você quer dizer?
Agora é a minha vez de xingar você de analfa. Maravalha é bagatela, e o que que tem numa boutique? Bagatelas. Beth deu um pulo:
Máfia!
Tá doida? Isso é nome sério.
E daí? Não tem boutique chamada Smuggler? Outra chamada Mescalina?
Ei, pessoal, e se a gente partisse para uma zorra assim como Não Vem de Terninho que Eu Já Vou de Topless?
Cafonice demais, Beth. Além de dez quilômetros.
Vão passar a vida discutindo. É capaz de nem se fazer a boutique, por falta de nome. Ou por excesso deles. Quando chega o Fifinho, brandindo pasta de colégio, enorme, e ainda maior erudição:
Besteira, gente. A boutique vai se chamar Butica. Escreve-se com “o”, mas com “u” fica mais legal. É loja de varejo, e farmácia do tempo da vó. Vou pintar as letras: Boutique Butica, e não se fala mais nisso.
Aprovação geral. Aguardem no Leblon.

Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica

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