Outra coisa que não parece ser entendida
pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não
sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que
nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a
inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto.
Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora
que, agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem
sequer li as obras importantes da humanidade. Além do que leio
pouco: só li muito, e lia avidamente o que me caísse nas mãos,
entre os treze e quinze anos de idade. Depois passei a ler
esporadicamente, sem ter a orientação de ninguém. Isto sem
confessar que – dessa vez digo-o com alguma vergonha – durante
anos eu só lia romance policial. Hoje em dia, apesar de ter muitas
vezes preguiça de escrever, chego de vez em quando a ter mais
preguiça de ler do que de escrever.
Literata também não sou porque não
tornei o fato de escrever livros “uma profissão”, nem uma
“carreira”. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só
quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem
um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr
em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo
uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue
em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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