terça-feira, 10 de agosto de 2021

Holocausto nuclear: história e futuro

O termo Destruição Mútua Assegurada é perversamente ideal para descrever o que ocorreria caso as grandes potências nucleares do mundo entrassem em conflito aberto. Em inglês, o termo tem as iniciais M.A.D. (Mutually Assured Destruction), que já diz tudo: “mad” significa louco. Apesar de parecer coisa do passado, da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, a verdade é que a ameaça nuclear persiste e continua sendo a maior que a humanidade poderá enfrentar no futuro. Na conturbada luta pela Presidência norte-americana, Hillary Clinton, a candidata dos Democratas, usou várias vezes o tema como indicação do perigo de ter uma pessoa como Donald Trump no poder: “Imagine que, se Trump vencer, será ele a decidir se usamos ou não armas nucleares durante o seu governo!”
Em 1933, quando Adolf Hitler ascendia ao poder na Alemanha, o físico húngaro Leo Szilárd propôs a possibilidade de uma reação nuclear em cadeia, em que nêutrons liberados de um núcleo atômico radioativo colidiriam com outros núcleos pesados, causando sua divisão (fissão) em núcleos menores. Imagine os nêutrons como pequenas balas que, ao atingirem núcleos maiores, os quebram em dois pedaços, os núcleos de átomos menores. Essa é a fissão nuclear. Szilárd mostrou que, cada vez que essa fissão ocorre, um pouco de energia é liberado, juntamente com outros nêutrons. Esses nêutrons, por sua vez, atingem núcleos vizinhos, multiplicando o efeito.
A reação em cadeia ocorre quando um número gigantesco de átomos é fissionado, resultando numa enorme liberação de energia. Se a velocidade da reação não é controlada, o resultado é uma explosão de proporções apocalípticas. Em 1939, trabalhando na Universidade de Chicago com o físico italiano Enrico Fermi, Szilárd demonstrou no laboratório a possibilidade da reação em cadeia por emissão de nêutrons. O físico compreendeu imediatamente que a realização da reação nuclear em cadeia representava uma mudança radical na história coletiva da humanidade.
Descontrolada, a reação poderia ser convertida numa bomba. Szilárd convenceu Albert Einstein a escrever uma carta ao presidente norte-americano Franklin Roosevelt, na tentativa de persuadi-lo da urgência do problema e sugerindo que os Estados Unidos iniciassem imediatamente um programa de desenvolvimento da bomba atômica antes que os nazistas o fizessem. Se Hitler tivesse a bomba em mãos, a história do século XX teria sido outra, que prefiro não imaginar. (Quem assistiu à excelente série da HBO, The Man in the High Castle, tem uma ideia de que mundo seria esse.)
O resultado foi o Projeto Manhattan, iniciado ao final de 1941, uma operação de proporções ciclópicas liderada no laboratório de Los Alamos pelo físico J. Robert Oppenheimer e supervisionada pelo general Leslie Groves. No dia 16 de julho de 1945, a primeira bomba atômica foi detonada no deserto de Alamogordo, no estado do Novo México. A nuvem em forma de cogumelo atingiu uma altura de quase 13 mil metros (como comparação, o Monte Everest tem uma altitude de 8.800 metros) e quebrou janelas a mais de 150 quilômetros de distância. Quando viu o resultado, Oppenheimer citou o famoso texto do Bhagavad Gita, o livro sagrado do hinduísmo: “Agora sou a Morte, destruidora de mundos.”
Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos bombardearam Hiroshima e Nagasaki, o único uso de bombas nucleares sobre uma população civil na história. Entre 90 mil e 146 mil pessoas morreram em Hiroshima, e 39 mil e 80 mil em Nagasaki, com aproximadamente metade das fatalidades no primeiro dia após o bombardeio. Em maio de 2016, o presidente norte-americano Barack Obama visitou Hiroshima para homenagear as vítimas do genocídio.
Foi a primeira visita ao local por um presidente americano em mandato. “Conhecemos a agonia da guerra”, disse. “Agora, vamos juntos encontrar a coragem de difundir a paz, e lutar por um mundo sem armas nucleares.” Infelizmente, estamos muito longe desse objetivo. Alguns anos após a bomba de fissão nuclear, veio a bomba termonuclear, ou de fusão nuclear, ou bomba H, muito mais poderosa e destruidora. A fusão nuclear faz o oposto da fissão, liberando energia ao fundir núcleos leves em núcleos mais pesados. Por frações de segundo, a fusão de isótopos de hidrogênio em núcleos mais pesados repete processos nucleares semelhantes aos que produzem a energia que faz o Sol e todas as estrelas brilharem.
Os Estados Unidos detonaram a primeira bomba termonuclear em 1952, imaginando ter atingido supremacia bélica total. Em menos de um ano, os soviéticos responderam, detonando a sua primeira bomba termonuclear. A Guerra Fria havia começado de vez. Durante as décadas de 1950 e 1960, a construção de armas nucleares disparou. Como comentou o ex-secretário de Defesa norte-americano William J. Perry – uma das maiores autoridades mundiais em armas nucleares – em seu livro My Journey at the Nuclear Brink (Minha jornada à beira do conflito nuclear), foi por pura sorte que a Crise dos Mísseis de 1962 na Baía dos Porcos, em Cuba, não virou uma guerra nuclear total.
Perry trabalhava, então, obtendo informações sobre os mísseis nucleares soviéticos sendo armados em Cuba, e acreditava que cada dia de trabalho “seria o meu último na Terra”. No auge da Guerra Fria, os EUA tinham 1.054 mísseis balísticos intercontinentais e 656 mísseis nucleares detonáveis armados em submarinos, segundo o Arquivo de Segurança Nacional americano. A exatidão desses números é disputada, o que não é nada surpreendente, dada a natureza secreta dos armamentos. Por exemplo, o livro-texto on-line Alpha History lista que, em 1962, os EUA tinham quase 7 mil armas nucleares, enquanto a União Soviética tinha quinhentas.
De qualquer forma, considerando o que uma única bomba pode fazer, os números são assombrosos. Hoje, vários países fazem parte desse clube: Grã-Bretanha, França, China, Israel, África do Sul, Índia, Paquistão. Quanto maior o número de países com armamentos nucleares, maior o risco de conflito. Em 1972, um programa de destruição das armas nucleares foi iniciado pelos EUA e pela Rússia. Com os tratados SALT I e II, milhares de armamentos foram destruídos, o que continuou com os tratados START I e II do início da década de 1990. (Obviamente, houve problemas com a implementação e ratificação dos desígnios dos tratados. Os números exatos permanecem obscuros.)
Em 2011, o Tratado Novo START (New START Treaty) foi ratificado, forçando a redução pela metade dos lançadores ainda ativos de mísseis nucleares. Como resultado, o número de armas viáveis caiu. O que não significa que não continue absurdamente alto. Em particular, o tratado não regula milhares de armas nucleares ainda estocadas pela Rússia e pelos EUA. Ou seja, o risco de destruição total continua tão real hoje quanto nos anos 1960. O armazenamento e disponibilidade de milhares de armas nucleares não é o único aspecto dessa questão. Temos, também, que adicionar a ameaça do terrorismo nuclear.
Em seu livro, Perry imagina um cenário onde terroristas constroem um armamento nuclear de pequeno porte e explodem a Casa Branca e o Congresso, matando 80 mil pessoas e causando um completo caos social. Também não é difícil imaginar um conflito nuclear entre a Índia e o Paquistão, com consequências globais devastadoras. É importante lembrar que detonações nucleares têm efeitos que reverberam pela atmosfera, sendo transportados a centenas ou mesmo milhares de quilômetros de distância do ponto de detonação.
Não existe um local “seguro” ou isolado, e o Brasil não está magicamente isento. Para muitos, o conflito nuclear pode parecer uma preocupação distante. Afinal, temos problemas mais imediatos, que já nos ocupam bastante. Nas décadas de 1950 e 1960, as escolas no hemisfério norte ensaiavam regularmente com os alunos o que fazer no caso de uma guerra nuclear. Hoje, já não fazem mais, como se o problema tivesse desaparecido. Mas a ameaça continua, e é palpável.
De certa forma, é ainda maior do que no passado, dado o nível de instabilidade política global e o poder de grupos terroristas extremos, que já demonstraram seu completo desprezo pela vida humana. Existe, também, a possibilidade do uso de armas nucleares por um líder instável, conforme a menção de Hillary Clinton acima.
Por exemplo, a Coreia do Norte. O que Hitler não pôde fazer, outros poderão. Apenas um esforço global para desmantelar o arsenal nuclear mundial supervisionado por um conglomerado de países poderia ter alguma chance de ser efetivo. Materiais nucleares seriam neutralizados e mecanismos explosivos destruídos.
Talvez esse tipo de iniciativa seja impossível, o sonho dos inocentes. Como na Caixa de Pandora, uma vez que os males escapam, não voltam mais para dentro. Por outro lado, dada a realidade da ameaça, esforços cada vez mais amplos são uma necessidade para diminuir o risco de um holocausto nuclear. Fazer nada é uma opção um tanto suicida. É irônico pensar que o mesmo físico que implementou uma reação em cadeia nuclear no laboratório, Enrico Fermi, inventou, também, o chamado Paradoxo de Fermi, sobre a possibilidade de inteligências extraterrestres. (Veja ensaios na Parte II.) Fermi imaginou que, considerando a idade da nossa galáxia (10 bilhões de anos) e seu diâmetro (100 mil anos-luz), inteligências extraterrestres teriam tido tempo de sobra para colonizar a galáxia por inteiro.
Obviamente, não o fizeram. Onde estão eles? Uma das respostas possíveis ao paradoxo é assustadora: qualquer civilização capaz de construir armas nucleares eventualmente se autodestruirá. Os ETS não vieram aqui porque se aniquilaram antes disso. Dado o quadro geopolítico global, resta esperar que essa sugestão especulativa sirva de aviso para a humanidade e seu futuro coletivo.

Marcelo Gleiser, in O caldeirão azul

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