segunda-feira, 19 de julho de 2021

Perceba o racismo internalizado em você

Como vimos, a maioria das pessoas admite haver racismo no Brasil, mas quase ninguém se assume como racista. Pelo contrário, o primeiro impulso de muita gente é recusar enfaticamente a hipótese de ter um comportamento racista: “Claro que não, afinal tenho amigos negros”, “Como eu seria racista, se empreguei uma pessoa negra?”, “Racista, eu, que nunca xinguei uma pessoa negra?”.
A partir do momento em que se compreende o racismo como um sistema que estrutura a sociedade, essas respostas se mostram vazias. É impossível não ser racista tendo sido criado numa sociedade racista. É algo que está em nós e contra o que devemos lutar sempre.
É claro que há quem seja abertamente racista e manifeste sua hostilidade contra grupos sociais vulneráveis das mais diferentes formas. Mas é preciso notar que o racismo é algo tão presente em nossa sociedade que muitas vezes passa despercebido. Um exemplo é a ausência de pessoas negras numa produção cinematográfica—aí também está o racismo. Ou então quando, ao escutar uma piada racista, as pessoas riem ou silenciam, em vez de repreender quem a fez—o silêncio é cúmplice da violência. Muitas vezes, pessoas brancas não pensam sobre o que é o racismo, vivem suas vidas sem que sua cor as faça refletir sobre essa condição. Por isso, o combate ao racismo é um processo longo e doloroso. Como diz a pensadora feminista negra Audre Lorde, é necessário matar o opressor que há em nós, e isso não é feito apenas se dizendo antirracista: é preciso fazer cobranças.
Amelinha Teles, memorável feminista brasileira, em seu livro Breve história do feminismo no Brasil, afirma que ser feminista é assumir uma postura incômoda. Eu diria que ser antirracista também. É estar sempre atento às nossas próprias atitudes e disposto a enxergar privilégios. Isso significa muitas vezes ser tachado de “o chato”, “aquele que não vira o disco”. Significa entender que a linguagem também é carregada de valores sociais, e que por isso é preciso utilizá-la de maneira crítica deixando de lado expressões racistas como “ela é negra, mas é bonita”—que coloca uma preposição adversativa ao elogiar uma pessoa negra, como se um adjetivo positivo fosse o contrário de ser negra—, usar “o negão” para se referir a homens negros—não se usa “o brancão” para falar de homens brancos—, ou elogiar alguém dizendo “negro de alma branca”, sem perceber que a frase coloca “ser branco” como sinônimo de característica positiva.
É preciso pesquisar, ler o que foi produzido sobre o tema por pessoas negras —e é bastante coisa. No caso de quem tem acesso a bibliotecas e universidades, a responsabilidade é redobrada, e não deve ser delegada. Eu brinco que, muitas vezes, pessoas brancas nos colocam no lugar de “Wikipreta”, como se nós precisássemos ensinar e dar todas as respostas sobre a questão do racismo no Brasil. Essa responsabilidade é também das pessoas brancas —e deve ser contínua.
Conversar em casa com a família e com os filhos, e não só manter uma imagem pública, com destaque para as redes sociais, também é fundamental. Algumas atitudes simples podem ajudar as novas gerações, como apresentar para as crianças livros com personagens negros que fogem de estereótipos ou garantir que a escola dos seus filhos aplique a Lei n. 10639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para incluir a obrigatoriedade do ensino da história africana e afro-brasileira. Um ensino que valoriza as várias existências e que referencie positivamente a população negra é benéfico para toda a sociedade, pois conhecer histórias africanas promove outra construção da subjetividade de pessoas negras, além de romper com a visão hierarquizada que pessoas brancas têm da cultura negra, saindo do solipsismo branco, isto é, deixar de apenas ver humanidade entre seus iguais. Mais ainda, são ações que diminuem as desigualdades.
Não podemos nos satisfazer com pouco. Apesar de termos avançado nas últimas décadas, não podemos achar que foi o suficiente. Não basta ter um ou dois negros na empresa, na TV, no museu, no ministério, na bibliografia do curso. Se disserem que ser antirracista é ser “o chato”, tudo bem. Precisamos continuar lutando.

Djamila Ribeiro, in Pequeno manual antirracista

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