“Se insisto nesse fato é porque vejo nele a razão principal dos meus amores. Tive, durante muito tempo – quase até agora –, a ilusão de que o fato amoroso podia e devia ser aquele fato necessário e, por assim dizer, belo, que eu procurava. Certamente era porque eu considerava o amor como um jogo cortês de sedução. Visto desse modo, ele tinha em si o seu fim. O fim era o consentimento – mais tarde, foi o ato do amor, que Leiris considerava como a morte do touro na tourada. Tratava-se, na verdade, de uma progressão regular para um fim conhecido – mas conhecido como o desenlace das tragédias gregas, previsto, mas temido e desejado pelos atenienses –, conhecido como as resoluções de uma melodia, previstas e completamente imprevisíveis. E essa ocorrência terminal, eu devia provocar com minhas palavras e com meus gestos. Por aí se vê como eu estava longe de compreender a perturbação simplesmente sensual. Eu não a ignorava mas não a sentia. E não pretendia também que minha parceira o sentisse a princípio, como o toureiro não pode querer que o touro sucumba, por perda de sangue, depois da colocação das bandarilhas. Precisava ser merecido, isto é, que se produzisse, no fim da comédia, no momento mesmo em que caísse o pano, provocado pela última réplica. Certamente uma forte paixão sensual, se alguma mulher a sentisse por mim, ter-me-ia deixado completamente desconcertado e chocado. Para mim a mulher – certamente por causa das minhas leituras – era um ser que diz não para começar, e se deixa pouco a pouco envolver, sempre resistindo, mas cada vez um pouco menos. Assim, cada um de nós tinha um papel previamente determinado. A mulher recusava e eu insistia docemente, pacientemente, cada dia ganhando um pouco de terreno. Mas eu não via a sedução como um jogo maquiavélico de artifícios, como o jovem Stendhal. Teria sido muito desagradável para mim conseguir uma mulher por meio de artifícios e isso prova que eu me importava menos com a mulher do que com a comédia que ela me dava ocasião de representar, pois não teria aceitado obtê-la por um meio qualquer. Mais uma vez sua posse contava menos do que as promessas de posse. Para seduzir, eu contava unicamente com minha palavra. Lembro-me ainda do meu embaraço em Berlim: eu partira decidido a conhecer o amor das alemãs, mas compreendi, logo no princípio, que não sabia alemão o bastante para conversar. Assim, sem a minha arma, senti-me estúpido, nem ousei tentar; tive de me contentar com uma francesa. E como me senti solidário com a observação ingênua de um húngaro despeitado que disse para Castor: ‘Se soubesse como sou espirituoso em húngaro’.”
Jean Paul Sartre, in Diário de Uma Guerra Estranha
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