– Qual é a primeira pessoa do presente
do indicativo do verbo adequar? – pergunta-me ele ao telefone.
– Nós adequamos – respondo com
segurança.
– Primeira do singular – insiste ele.
– Espera lá, deixe ver. Com essa você
me pegou.
E arrisco, vacilante:
– Eu adéquo?
– Não, senhor.
– Eu adeqúo? Não pode ser.
– E não é mesmo.
– Então como é que é?
– Quer dizer que você não sabe?
– Deixe de suspense. Diga logo.
– Não tem. É verbo defectivo.
– E você me telefonou para isso?
Verbo defectivo. Tudo bem. Eu não teria
mesmo oportunidade de usar esse verbo na primeira pessoa do singular
do presente do indicativo. Nunca me adéquo a questões como esta.
– Presente do indicativo ou indicativo
presente? – é a minha vez de perguntar. – No nosso tempo era
indicativo presente.
E é a vez dele não saber. Desculpa-se
dizendo que andaram mudando tanto a nomenclatura gramatical, que a
gente acaba não sabendo mais nada.
– E o verbo delinquir? – torna ele.
– Que é que tem o verbo delinquir –
quero saber, cauteloso.
– A primeira do singular?
– Não tem. Também é defectivo.
Mas ele é teimoso:
– E se um criminoso quiser dizer que
não delinque mais?
– Se usar esse verbo, já delinquiu.
E acrescento, num tom de quem não sabe
outra coisa na vida:
– Além do mais, leva trema no u. Para
que se fale delincuir, que é a pronúncia correta.
– Quem fala delinqir, sem o u, vai ver
é da polícia.
– Ou quem fala tóchico, como diz o
Millôr.
– O Millôr fala tóchico?
– Não. O Millôr é que disse que quem
fala... Ora, deixa para lá.
Ele volta à carga:
– O trema já não foi abolido?
– Que abolido nada. Aboliram tudo,
menos o trema.
– Por falar nisso, outro verbo
defectivo.
– Qual?
– Abolir: não tem primeira do
singular.
– Como não tem? – reajo. – Eu
abulo.
– Neste caso seria eu abolo.
– Coisa nenhuma. Eu abulo, sim senhor.
E invoco a autoridade de quem sabe o que
diz:
– Não é eu expludo? Pelo menos o
Figueiredo não me deixa mentir.
– O Cândido ou o Fidelino?
– O João mesmo. O presidente. Ele
falou expludo e não explodo.
– Se vale essa regra, deveria ser eu
cumo, eu murro, eu murdo...
– Então me diga uma coisa: você sabe
qual é a primeira do singular do verbo parir no indicativo?
– Ninguém pare no indicativo.
– Pare, e em todos os tempos, meu
velho.
– Esse, quem não corre risco de usar
sou eu.
– Pois então fique sabendo: é
simplesmente igual à primeira pessoa do singular do verbo pairar.
– Eu pairo?
– É isso aí. Uma senhora que tem
muitos filhos pode perfeitamente dizer: eu pairo um filho por
ano.
– Co’s pariu!
– Se não quiser acreditar, não
acredite.
É a vez dele:
– Você sabe qual é o plural de mel?
– Já vem você. Mel não tem plural.
– Como não tem? Tem até dois.
E me conta que outro dia um entendido em
mel fazia uma preleção sobre o assunto na televisão. No que saiu
do singular para se meter no plural, quebrou a cara:
– Acabou falando que existem muitos
mels diferentes.
– E não existem?
– Existem. Mas não mels. Com essa ele
se deu mal.
– Se deu mel, então.
Era a asa da imbecilidade começando a
ruflar aos meus ouvidos:
– Ou você vai me dizer que mel também
é verbo defectivo?
– Perguntei a uma amiga que entende.
– De mel?
– Não: de plural. Ela confirmou: tanto
pode ser méis como meles. Mels é que jamais.
A esta altura o mentecapto fala mais alto
dentro da minha cabeça:
– Dos meles, o menor.
Como ele não responde, acrescento:
– Até logo. Melou o assunto.
E desligo o telefone.
Fernando Sabino, in Fernando Sabino na sala de aula
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