A casa da minha avó tem um manacá.
Tenho a estranha sensação de que ele fica florido o ano todo e não
apenas nos três meses da primavera. Talvez seja só impressão
minha. Ou talvez seja a presença da minha avó que encha tudo de
flores roxas e brancas, 365 dias por ano.
A casa da minha avó é em Santo Amaro e
é a mais bonita do mundo. Já estive na Toscana e em Provence e não
vi nenhuma casa melhor do que a da minha avó. Vi maiores, vi mais
caras, vi de tudo um pouco e nunca vi nenhuma casa que tivesse esse
improvável aspecto de ser o melhor lugar do mundo. Mas a dela tem.
Na casa da minha avó, sempre que a gente
chega, tem cabelos prateados à nossa espera. Não sei se há outro
lugar no mundo onde eu me sinta tão bem-vinda. Meu marido sempre me
espera, meus pais sempre me esperam, meus amigos sempre me esperam.
Mas a minha avó me espera na porta. E nunca se importa que eu me
atrase.
A casa da minha avó tem uma garagem
pequena e vazia. Sempre que olho para ela me lembro do Gol preto do
meu avô, no qual entramos depois dos pênaltis da Copa de 94 para
buscar meu tio no aeroporto, enquanto buzinávamos e balançávamos
bandeiras. Em 1995, já não havia mais meu avô nem Gol preto.
Deram-no como parte do pagamento ao empreiteiro que fez obras na casa
para tentar alegrar a minha avó. Já aviso: não funciona. Novas
paredes não substituem velhos amores.
A casa da minha avó tem a sala
impecável, arrumada, perfumada e sem pó, mesmo que a faxineira só
a visite duas vezes por mês. As flores nunca ficam com sede, os
vidros nunca ficam embaçados, os quadros nunca ficam tortos. Espero
aprender a ser assim até os meus 88 anos. Por enquanto, me contento
em lembrar de guardar o leite de volta na geladeira.
Na casa da minha avó, a família inteira
está presente, ainda que seja só nos porta-retratos. Ela coleciona
amores. Os três filhos, os sete netos e as duas bisnetas estampam a
sala com seus sorrisos largos e suas presenças raras. Em 2004, foi
colocada a foto do casamento do meu irmão. Em 2013, do casamento da
minha irmã. A ordem cronológica pedia que a próxima fosse eu, mas
minha prima queimou a largada e passou na minha frente. Quem é que
se casa aos 22, Julia de Deus?
Na casa da minha avó há um relógio
verde na parede da cozinha. Embaixo dele, a mesa de madeira onde me
sento e espero. Não posso fazer nada que não seja esperar, ela não
deixa. E então começa: experimenta um pedacinho desse bolo. E esse
pão fresco. Com geleia. Tem de damasco e de morango. Coloca
requeijão também. Um suco de caju. Um Toddy quente. Manteiga
Aviação. Queijo e presunto. Não importa se são 9h15, 14h30 ou 19h
em ponto. Não importa.
Na casa da minha avó não se toma
Coca-Cola, mas, misteriosamente, duas latinhas vazias surgiram por
lá. Foi na época em que a empresa estampou as embalagens com os
nomes das pessoas. Ela encontrou Rita e encontrou José. Juntou-as em
cima da geladeira, como uma das únicas formas de ainda estar ao lado
do meu avô, depois de 22 anos de viuvez. Acho que isso foi a coisa
mais bonita que já aconteceu com a Coca-Cola.
A casa da minha avó é cheia de tricô.
Mas ela só gosta de tricotar para os bebês. Para adultos, só
cachecóis. E não para qualquer adulto. Só para aqueles que mereçam
o suficiente para retardar a entrega do casaco de algum bebê. Eu
mereço. O último foi o cinza. Antes o roxo. E antes o branco. E
antes um todo colorido. São os melhores que tenho.
A casa da minha avó tem talco. Tem os
perfumes do meu avô até hoje na prateleira. Tem um colar com um
Teletubbie vermelho que eu dei para ela há uns vinte anos, não sei
bem o porquê. Tem azulejos decorados na cozinha. Novelos de lã.
Goiabada. E braços abertos. Os melhores braços abertos desse mundo.
Nem os do Cristo Redentor ganham deles.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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