Vão tirar o terminal do meu ônibus do
centro da cidade, vão tirar do centro da cidade o meu ônibus, vão
me tirar do centro da cidade?
Vão tirar da cidade o centro da cidade,
vão tirar da cidade toda a cidade, vão fazer o que da cidade?
Vão plantar uma cidade nova no lugar da
cidade carcomida, vão desistir de manter as ruínas da cidade, vão
decretar que cidade não é mais de a gente viver?
Vão fazer ruas de cima para baixo, em
forma de cisterna, para o que já se abrem os competentes buracos e
se desaconselha andar na superfície para não prejudicar as obras?
Vão me dar passagem entre o tapume e a
pista de corridas, entre o poço e a poça de lama, ou não vão
deixar mais que use as pernas e os pés por estarem definitivamente
fora de moda?
Vão permitir que eu siga o meu
itinerário de trabalho sobre a capota dos automóveis, saltando de
uma para outra depois de treinado em academia de técnica pedestre,
ou vão estatuir que eu e mais nove concidadãos de bom físico
carreguemos nas costas o automóvel, a fim de que automóveis e nós
possamos chegar a destino, passando no que outrora se chamava de rua?
Vão dizer quantas pessoas podem sair de
casa, a quantas horas, por quanto tempo, e por onde será permitido
caminhar, durante quantos minutos, para que as turmas seguintes não
sejam prejudicadas na regalia de ir e vir na cidade entupida?
Vão acabar com a cidade, todas as
cidades, vão acabar com homem e a mulher também, vão fazer o quê,
depois que eles mesmos acabarem?
Carlos Drummond de Andrade, in De notícias e não notícias faz-se a crônica
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