Azeite, não é meu parente! Nem todos
entendem, mas a língua que se falava antigamente era tranchã, era
ou não era?
As palavras pareciam todas usar galocha,
e eu me lembro como ficava cabreiro quando aquela tetéia da rua,
sempre usando tank colegial, se aprochegava com a barra da anágua
aparecendo, vendendo farinha, como se dizia. Só porque tinha me
trocado pelo desgramado que charlava numa baratinha, ela sapecava
expressões do tipo “Conheceu, papudo?!”. “Ora, vá lamber
sabão”, eu devolvia de chofre, com toda a agressividade da época.
“Deixa de trololó, sua bacurau.”
Era tempo do onça total. As garotas,
algumas tão purgantes que pareciam eternamente de chico, não davam
esse mole de escancarar o formato do V-8 sob a sala, e os homens,
tirando uma chinfra, botavam pra jambrar com quedes e outras
papas-finas. Eu, hein, Rosa?! Tanto quanto o telefone preto, a
geladeira branca e o sebo para passar no couro da bola número 5,
essas palavras foram sendo consideradas como as garotas feias de
então – buchos. Aconteceu com elas, as palavras, o mesmo que ao Zé
Trindade – empacotaram, bateram as botas. Tomaram um cascudo,
levaram sopapo, catiripapo, e chisparam do vocabulário. Uma pena.
A língua mexe, pra frente e pra trás, e
assim como o bacana retornou guaribado para servir de elogio nos
tempos modernos, pode ser que breve, na legenda de uma foto da
Carolina Dieckmann, os jornais voltem a fazer como diante da Adalgisa
Colombo outrora. Digam que ela tem it, que ela é linda, um chuchu.
São coisas do arco da velha, vai entender?! Não é só o mistério
da ossada da Dana de Teffé que nos une ao passado. Não saberemos
nunca, também, quem matou o mequetrefe, a pinimba, o tomar tenência
e o neca de pitibiribas, essas delícias vocabulares que, enxotadas
pelo bom gosto gramatical, picaram a mula e foram dormitar, como
ursos no inverno, numa página escondida do dicionário.
Outro dia eu disse para as minhas filhas
que o telefone estava escangalhado. Morreram de rir com esse maiô
Catalina que botei na frase. Nada escangalha mais, no máximo não
funciona. Me acharam, sem usar tamanho e tão cansativo polissílabo,
um completo mocorongo. Como sempre, estavam certas. Eu tenho visto
mulheres de botox, homens que escondem a idade, tenho visto todas as
formas de burlar a passagem do tempo, mas o que sai da boca tem data.
Cuidado, cinquentões, com o ato falho de pedir um ferro de engomar,
achar tudo chinfrim, reclamar do galalau que senta na sua frente no
cinema e a mania de dizer que a fila do banco está morrinha. Esse
papo, por mais que você curta música techno e endívias, denuncia
de que década você veio.
Acho maneiro que a Sônia Braga volte,
curto às pamparras a Emilinha vendendo CD na praça. Mas por que não
dar uma linguada no passado? Sem querer amolar, sem bololô, sem
querer fazer arte, sem querer, em tempos já tão complicados, trazer
mais angu de caroço para a vida das pessoas, eu torço, quer dizer,
tenho a maior queda por um revival linguístico. As mães costumavam
passar sabão na língua do ranheta que falava palavrões. De vez em
quando, todos sofremos essa limpeza e perdemos palavrinhas tão
gostosas quanto aquele mingau de sagu com uma banana caramelada no
meio. Será o Benedito?! Ninguém merece.
Da mesma maneira que se foi, parece que
para sempre, o crescer a barba como sinônimo de passar vergonha, às
vezes dá-se a ressurreição de uma dessas espoletas estabanadas.
Eram palavrinhas catitas, todas do tempo em que as moças ficavam
incomodadas mas não dormiam de touca. O borogodó, por exemplo, tem
tudo para ser um novo mantra de felicidade solar com seus redondos
abertos e femininos. Seria uma coqueluche semântica, qual é o pó?!
Por que não?! Se a bossa nova voltou, se a boca-de-sino também, por
que não a moda da língua retrô? Haverá adjetivo mais correto para
aquela vizinha sonsa do 302 do que songamonga? Batatolina. Ô
mulherzinha pra gostar de um bafafá!
Essas palavrinhas das antigas,
verdadeiros pitéus sonoros, podiam formar o MSL, Movimento das Sem
Língua, e exigir assentamento no papo do dia-a-dia ao lado de
pamonhas, patas chocas do tipo disponibilizar, fidelizar, maximizar e
outras gaiatas que andam fazendo uma interface lambisgóia,
totalmente lengalenga, na fala cotidiana. Ficaria, como se diz, um
mix contemporâneo.
Uma língua bem exercida é metida,
jamais galinha morta. É feita de avanços e recuos, e se isso parece
reclame de algum filme apimentado, digamos que, sim, pode ser.
Língua, seja qual for, é erótica. Dá prazer brincar com ela. Uma
lambida no passado envernizaria novamente palavras que estavam lá,
macambúzias e abandonadas, como quizumba, alaúza e jururu,
expressões da pá virada como na maciota, onde é que nós estamos!
e ir para a cucuia. Certamente, por mais cara de emplastro Sabiá que
tenham, elas dariam uma viagrada numa língua que tem sido sacudida
apenas pelo que é acessado do cybercafé e o demorô dos manos e das
minas.
Meter a língua onde não se é chamado
pode ser divertido. Lembro do Oscarito passando a mão na barriga
depois de botar pra dentro uma feijoada completa e dizer, todo
preguiçoso, pimpão e feliz, “tô com uma idiossincrasia!”.
Estava com o bucho cheio, empanturrado de palavras gordas, compridas
e nonsenses como um paio de porco. É o banquete que eu sugiro.
Troque essa dieta de alface americana de palavra transgênica, que
anda na moda mas não vale um caracol. Caia de boca num sarrabulho
com assistência na porta, um pifão de tirar uma pestana do caramba,
uma carraspana batuta. Essa idiossincrasia vai fazer sentido.
Se alguém, depois de ouvir todas essas
palavras de lambuja, repetir mamãe das antigas e, amuado, gritar
menino, dobre a língua, não se faça de rogado-estique.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em busca do borogodó perdido
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