Todos os anos, na noite de Ação de
Graças íamos atrás de Papai quando ele arrastava a roupa de Papai
Noel para fora e a vestia numa espécie de crucifixo que tinha feito
com canos de metal no quintal. Na semana do Super Bowl o poste era
vestido com um uniforme de futebol americano e o capacete de Rod, e
Rod tinha que se entender com Papai se quisesse tirar o capacete
dali. No Dia da Independência o poste era o Tio Sam; no Dia dos
Veteranos, um soldado; no Halloween, um fantasma. O poste era a única
concessão de Papai à diversão. Só podíamos tirar um giz de cera
da caixa de cada vez. Numa noite de Natal ele gritou com Kimmie
porque ela desperdiçou uma fatia de maçã. Ele nos vigiava enquanto
despejávamos ketchup na comida, dizendo, Já chega já chega já
chega. As festas de aniversário consistiam de cupcakes, sem sorvete.
A primeira vez que levei uma namorada em casa ela disse, Qual é a do
seu pai com aquele poste de metal?, e eu fiquei em silêncio,
piscando.
Saímos de casa, casamos, tivemos nossos
próprios filhos, descobrimos as sementes da mesquinhez também
dentro de nós. Papai começou a vestir os canos com mais
complexidade e uma lógica menos discernível. Cobria-os com algum
tipo de pele animal no Dia da Marmota e levava para fora um holofote
para produzir uma sombra. Quando um terremoto atingiu o Chile ele
deitou o poste de lado e pintou com spray uma fenda na terra. Mamãe
morreu e ele vestiu o poste como a Morte, pendurando na barra
transversal fotos de Mamãe quando bebê. A gente passava por ali e
encontrava em redor da base estranhos amuletos da juventude dele:
medalhas militares, ingressos de teatro, velhos abrigos de moletom,
bisnagas de maquiagem de Mamãe. Num outono ele pintou o poste de
amarelo-escuro. Cobriu-o com cotonetes, para agasalhar, e
propiciou-lhe uma prole fincando pelo quintal seis cruzes feitas de
estacas. Estendeu um barbante entre o poste e as estacas, colando com
fita adesiva nesse varal cartas com pedidos de perdão, admissões de
erro, apelos por compreensão, tudo escrito com letra convulsa em
fichas de arquivo. Pintou um cartaz que dizia AMOR e pendurou-o no
poste, e outro que dizia PERDÃO? e depois morreu no corredor com o
rádio ligado e vendemos a casa para um jovem casal que arrancou o
poste e deixou-o na beira da calçada no dia do lixo pesado.
George Saunders, in Dez de dezembro
Achei bem bonito!
ResponderExcluirMuito lindo e triste esse conto. Quero ler mais coisas desse autor. Obrigada pela publicação.
ResponderExcluir