Acordo assustado. Telefone tocando a essa
hora.
— Mr. Drummond? I beg your pardon.
Da parte de Mr. Sirica. Mr. Sirica deseja conversar com senhor about
caso Watergate. Pode tomar avião para Washington immediately?
— Como? Watergate? Que tenho eu com
isso?
— Venha, Mr. Drummond. Aqui
explicaremos tudo. Necessária sua presença.
— Não vou coisa nenhuma. Que é que o
senhor está pensando?
— Sorry, Mr. Drummond. Eu não
penso. Cumpro ordens. Seu nome envolvido no processo. Depoimento de
Mr. Dean III muito comprometedor.
— Escute aqui, ó seu. Brincadeira tem
hora.
— Não estou brincando. Os papéis. O
cofre.
— Que cofre? Que papéis? Não conheço
nenhum Mr. Dean III nem II nem I.
— Mr. Dean entregou papéis para senhor
guardar no cofre em Brasil.
— Ele estava bêbado quando disse isto.
— Mr. Hugh Sloan Jr. admite ter
entregue cinquenta mil dólares a Mr. Dean para enviar papéis a
South America.
— Eu não sou South America, até prova
em contrário.
— Mais precisamente: a Mr. Drummond, em
país de South America.
— Não sou o único desse sobrenome na
América do Sul.
— Acontece que dinheiro foi entregue a
Mr. John Brandon, amigo íntimo de Mr. Drummond, juntamente com
papéis top secret.
— Realmente, sou amigo muito chegado de
João Brandão, mas ele não me deu nem papéis nem dólares de
espécie alguma.
— Mr. Brandon procurado pela CIA, ainda
não encontrado.
— Pudera. Ele nunca é encontrado em
casa, na rua ou no trabalho.
— Mr. Brandon vive em estação
espacial, perhaps?
— Não senhor. Vive por aí, como elfo.
— Elfo? Que bicho é esse?
— Ente fantástico, identificado com os
poderes do ar, do fogo, da terra.
— Interessante. Um superespião, I
suppose?
— Nada disso. Um ser inofensivo.
— Sinto dizer que esse ser inofensivo e
aéreo recebeu cinquenta mil dólares do Tesouro americano, e meio
quilo de papéis sigilosos, para entregar a Mr. Drummond.
— E há prova de que recebi uma coisa e
outra?
— Sim, há prova. Mr. Herbert Porter,
que trabalhava no Departamento de Comunicações de White House,
confessou ter em seu poder telex de Mr. Drummond a Mr. Dean III
acusando recebimento da manteiga. Em código.
— Nunca em minha longa vida passei
telex para indivíduo que se chamasse Herbert Porter.
— Claro. Mr. Porter, em código,
chamava-se Sugarmelon.
— Melão Doce? Vê lá se eu ia me
corresponder com um indivíduo chamado Melão Doce. Dou-me ao
respeito.
— Não é só, Mr. Drummond. Também
Mr. Kissinger…
— Não vá botar o dr. Kissinger nesta
embrulhada.
— A questão é que ele já está. Mr.
Kissinger fez esforços desesperados para recolher ao seu gabinete o
arquivo de Mr. Porter.
— E daí?
— Mr. Porter fugiu com arquivo, mas
este foi apreendido por mandado de Mr. Sirica. Wandering Jew,
codinome de Mr. Kissinger, aparece várias vezes na ementa de papéis
remetidos por Mr. Dean III a Mr. Drummond.
— Falta só dizer que o dr. Kissinger
me transmitiu apelo do presidente Nixon para eu guardar a sete chaves
os papéis e queimá-los em emergência grave, pois não?
— Exactly. Este apelo existe.
Senhor acaba de confessar que está implicado até raiz de cabelos em
caso Watergate.
— E o presidente Nixon também, né?
— Lamento informar que Mr. President
foi convidado a depor na próxima semana. Só o senhor não quer vir?
Venha, Mr. Drummond. Please, me dê telefones de Mr. Fernando
Sabino e Mr. Davi Neves, também sob suspeitas. Estiveram em New York
passado abril e almoçaram com Mr. Gordon Stracham, conversa gravada.
Aliás, nossa conversa agora também gravada. Mr. Sirica dará
imunidades todos três para depor a salvo qualquer ameaça. Good
night, Mr. Drummond.
Pelo sim pelo não, estou tirando meu
passaporte. Mr. Sabino e Mr. Neves, talvez inventores de todo este
rocambole, que se cuidem. Se as malhas do processo chegaram até a
nós, não dou um dólar furado pelo segundo mandato de Mr. Nixon.
Carlos Drummond de Andrade, in De Notícias e Não Notícias Faz-se A Crônica
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