Borogodó. A palavra pode ser muito velha
e a orelha da gata em que assopro o galanteio muito nova. Mas acho
que a moça da capa tem. Não exatamente no mesmo lugar em que tinha
a Angelita Martinez e a Carmen Verônica, vedetes em que o borogodó
ficava exatamente ali, naquela curva escandalosa onde o divino e um
bom espartilho da Casa Futurista formatavam o triângulo
busto-cintura-quadril. Toda vedete era um violão, música maior do
Criador. Sorte de quem tocava suas cordas ou, bububu no bobobó,
estava na plateia das revistas da Praça Tiradentes.
Não sei, em seguida, quem veio primeiro.
Se a guitarra Fender ou a modelo Twiggy. Foram mais ou menos
contemporâneas, meados dos anos 60, e similares. Achatadas.
Paranoicas. As guitarradas provocavam dissonâncias. A manequim
magricela, muita mancha roxa quando acertava o parceiro com aquele
osso dos quadris. Foram-se todas. Não há mais solo de guitarra no
rock. Olívia Palito também não cruza a passarela.
Eu pediria permissão ao poeta Murilo
Mendes, perenemente em pânico e em flor, para atualizar o verso em
que dizia o mundo começar nos seios de Jandira. Não mais, mestre. O
mundo começa no umbigo da moça da capa. O foco mudou. Eu diria que
Daniela Cicarelli cabe melhor no papel de Vénus calipígia. Luana
Piovani seria legítima sucessora dos seios de Jandira. Todas lindas,
mas não tem para ninguém.
O umbigo da moça da capa é o redemoinho
da modernidade sensual. O borogodó que abre parênteses para a nova
história do formato feminino.
Faz tempo que as mulheres são mais ou
menos as mesmas. Não critico. De vez em quando, porém, como se
tivessem feito uma reunião especial para discutir qual seria a nova
estratégia, elas mudam, todas ao mesmo tempo, o lugar onde
concentram a sedução. Já foi na carne farta, e Renoir estava lá.
Recentemente, vingaram as girafas, seres de pernas quilométricas, e
o fotógrafo Helmut Newton clicou-as para a eternidade. Pode ser que
eu esteja ficando minimalista ao extremo. Mas, parem as máquinas!
O mistério delas migrou para o umbigo e
acabou na capa.
Assim caminha a humanidade e admiro essa
capacidade feminina de acompanhar o design das coisas do mundo
repaginando-se a si mesmas. Elas trocaram um borogodó expansivo,
como o das coxas roliças e das ancas fartas (nasciam milhões de
mulheres assim, onde estão?), pelo pingo umbilical. Isso faz todo
sentido num momento em que as melhores escolas de design procuram o
mesmo com o traço simplificado de seus inventos. Foram-se as
catedrais barrocas das vedetes.
Repaginada a cada estação, a figura da
mulher continua sendo o sopro que põe crédito na existência do
superior designer.
Freud encucava sobre onde elas colocavam
o desejo. Eu quero saber apenas onde as mulheres vão colocar o
borogodó, para onde vão desviar nossos olhos depois que arquivarem
essas calças de cintura baixa da Maria Bonita.
Havia panos demais sobre o corpo para uma
avaliação de rigor científico, mas eu duvido que as panturrilhas
com que a Chiquinha Gonzaga se encaminhava até o piano no início do
século XX tivessem alguma coisa a ver com as que ajudam Cynthia
Howlett, desenvolvidas na malhação, a mover-se hoje sobre as areias
do Arpoador. Mulheres são mutantes. É bom que sejam. Precisam
perceber apenas que o borogodó de uma nem sempre está no mesmo
lugar dos quatro ós abertos da outra. E foi algo assim que eu
aprendi com o ator Zé Trindade, divulgador, nas chanchadas dos anos
50, dessa palavrinha que merece ser incluída em qualquer lista das
mais expressivas da língua portuguesa.
Ele era um nordestino atarracado, sem
pescoço, um sujeito feio de dar dó, mas nos filmes fazia enorme
sucesso com o mulherio. Acreditava no seu taco.
Sempre que perguntado como conquistava
tantas, Zé alisava o bigode, um horroroso filete de pêlos ralos.
Antes que as vedetes de coxas grossas começassem a beijá-lo e o
crédito de “Fim” surgisse na tela, ele piscava para a câmera e
dava o bizu: “É que eu tenho borogodó.” O cômico foi um gênio
de sabedoria popular e eu só não entendo por que seu método de
sedução não está entre os clássicos da auto-ajuda.
O umbigo da moça da capa é estado de
arte e toque final aos incréus sobre a existência d’Ele –
que em seguida desligou o celular e se mandou pruma pousadinha em
Mauá. Era modelo único. Acabou. Eu, se fosse você, não entrava
nessa tortura invejosa de ginásticas e dietas para ter o mesmo
modismo que vai na barriga das outras. Eu faria como o conquistador
Zé Trindade. Invente e aposte todas as fichas no seu próprio
borogodó.
Joaquim Ferreira dos Santos, in Em busca do borogodó perdido
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