No momento em que Adão foi incumbido, logo após ter sido criado, de dar os nomes a tudo o que era vivente, os bichos e as plantas, ele soube que a tarefa, apesar de quase infinita, não seria difícil. Bastaria olhar para cada ser e o nome apareceria, extraído da conjunção de forças adâmicas. O ser e o nome de cada coisa se manifestariam claramente e surgiriam para coroar a aliança entre as criaturas e seu novo criador, o homem. Mas Adão se enganou. Alguns seres ora não manifestavam prontamente a natureza de seu nome, ora resistiam ao nome que Adão lhes designava ora oscilavam na apresentação de suas qualidades, deixando Adão em dúvida e desapontamento consigo mesmo e com o mundo que havia sido criado para ele. Mais tarde, esse mesmo desapontamento jamais o abandonaria, e seria fonte de outras tantas dificuldades que ele e sua descendência viriam a conhecer. Adão também se deu conta, rapidamente, da enormidade implacável de sua tarefa, pois, quanto mais criaturas ele nomeava, mais criaturas apareciam, como que vindas do nada, sedentas por serem nomeadas e muito semelhantes a outras que já haviam recebido sua designação. Adão chegou a duvidar se algumas criaturas não vinham se materializando secretamente, só para poderem receber um nome. Já não sabia mais se todos aqueles seres eram mesmo viventes. Por outro lado, não queria pedir ajuda a Deus, pois a missão tinha sido atribuída a ele, o homem feito de terra, e Adão queria cumprir o trabalho a contento. Aconteceu que alguns animais demonstraram uma imprevista força de personalidade, discordando do nome que receberam. Consideravam a combinação sonora muito fraca para sintetizar características como força, rapidez ou esperteza, ou então simplesmente não gostavam do som que lhes cabia. Os animais, como se sabe, haviam sido criados antes de Adão e, por sua anterioridade, que naquela época possuía uma extensão temporal imensurável, já tinham desenvolvido traços contundentes de personalidade e de presunção — não todos, é claro —, o que os fazia sentir-se à vontade para recusar o predomínio humano. Afinal, quem era aquela criatura pequena, recém-chegada, que se sentia poderosa o suficiente para passar a atribuir justamente o nome, o atributo de que os animais mais careciam e que mais desejavam? Mesmo então já se sabia que o nome seria a força que lhes permitiria ocupar um lugar na história dos seres. E acontecia que, por exemplo, ao ser chamado de “leão”, o bicho urrava de contentamento, acreditando que aquela palavra era a que melhor se ajustava a ele. Ao passo que outros, como, por exemplo, o lobo, consideravam aquela combinação sonora simples demais para conter toda a complexidade de sua espécie. Pois se sabe que, naquele tempo, os nomes coincidiam perfeitamente com o conteúdo que designavam e não houve arbitrariedade alguma nos nomes que Adão ia atribuindo aos animais. Depois de terminada a tarefa com os mamíferos, os mais visíveis entre os seres e mais semelhantes ao próprio Adão, era o momento das aves, dos peixes e dos insetos, todos muito numerosos e com pequenas diferenças entre si. Havia pássaros praticamente idênticos, só diferenciados ligeiramente pela tonalidade das penas ou pela inclinação do bico. Peixes com a cauda um pouco mais abaulada, mas em tudo idênticos a algum seu companheiro, que, justamente por aquela pequena característica, recusavam o nome que lhes era designado. Ao chegar a vez dos insetos, entretanto, Adão, já extenuado e praticamente no final de suas forças, considerou que sua missão já não era fundamental. Os insetos eram milhares, milhões e, afinal, não tão importantes. Invertebrados, mal sabiam se comunicar com ele como os demais e voavam à sua volta como loucos, sem comedimento nem educação. Adão decidiu que praticamente qualquer nome serviria àquelas pequenas criaturas. Foi quando, no meio desse processo de nomeação dos insetos, surgiu um ser ortóptero, da subordem ensífera, com longas antenas e órgãos auditivos visivelmente possantes. Esse ser possuía até a capacidade de escutar o que se passava na mente do homem. Adão imediatamente reconheceu naquela criatura outra que acabara de nomear e disse: “Louva-deus, você já tem um nome. Dê seu lugar a outro animal”. O bicho voava e revoava insatisfeito, indicando a Adão que não era aquele o seu nome e, ofendido, punha-se a entoar um canto novo, estranho, que Adão nunca havia escutado. Olhando atentamente para o inseto, Adão percebeu que sua forma era um pouco diferente da do louva-deus e, surpreendentemente, não soube que nome dar a ele. Perguntou ao bicho: “Que nome você gostaria de receber?”. E o bicho disse: “Não sei. Penso que um nome com o formato daquela folha, que é a que mais gosto de comer”. Adão olhou bem para a folha e viu que seu formato era o de uma meia-lua entrecortada por uma reta. Que estranha figura! Um círculo cortado por uma reta. E decidiu que aquele pequeno inseto seria um enviado da boa fortuna, da boa consciência e que o ajudaria a nomear com graça e facilidade os seres restantes, aplicando a eles o desenho de folhas, árvores e outras configurações. Deu àquele bicho o nome de grilo e alegrou-se porque ele o tinha ajudado a criar a letra G, que serviu, mais tarde, para designar alguns mamíferos ainda não nomeados, como o gato, a girafa e o golfinho, todos animais alegres e cheios de bons augúrios como o grilo e todos eles portadores do paradoxo do círculo e da reta, componentes dessa letra tão auspiciosa.
Noemi Jaffe, in A verdadeira história do alfabeto
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