terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A forja

 


Com a barba embaraçada e enfiado num tosco avental de pele de tubarão, por volta do meio-dia Perth estava de pé entre a forja e a bigorna, esta última colocada sobre um tronco de madeira dura, segurando com uma mão a ponta de uma lança sobre o carvão, e com a outra, o fole, quando o Capitão Ahab se aproximou, trazendo à mão um pequeno saco de couro, de aspecto enferrujado. Ainda a uma certa distância da forja, o taciturno Ahab parou; até que, por fim, Perth, tirando o ferro do fogo, começou a martelá-lo sobre a bigorna – a massa incandescente lançando centelhas em espessas flutuações volantes, das quais algumas caíram perto de Ahab.
São esses teus petréis, Perth? Estão sempre voando no teu rastro; aves de bom agouro, também, mas não para todos; – olha aqui, elas queimam; mas tu – tu vives entre elas sem te chamuscares.”
Pois estou todo chamuscado, Capitão Ahab”, respondeu Perth, descansando um instante sobre seu martelo; “sou à prova de fogo; a brasa não me marcaria tão facilmente.”
Bem, bem; basta! Tua voz retraída me parece calma e sensata demais em sua dor. Distante do Paraíso, como estou, impaciento-me diante de toda desgraça que não seja louca. Devias acabar louco, ferreiro; fala, por que não enlouqueces? Como podes aguentar sem enlouquecer? Será que os céus ainda te odeiam, a ponto de não poderes enlouquecer? – O que estás a fazer aí?”
Soldando uma velha ponta de lança, senhor; tinha fendas e mossas.”
E podes deixá-la lisa de novo, ferreiro, depois de tão árduos serviços?”
Penso que sim, senhor.”
E suponho que podes alisar quase todas as fendas e mossas; não importa quão duro seja o metal, ferreiro?”
Sim, senhor, penso que sim; todas as fendas e mossas, exceto uma.”
Olha aqui então”, exclamou Ahab, avançando irascível e apoiando as duas mãos nos ombros de Perth; “olha aqui – aqui –, podes alisar uma fenda como essa, ferreiro?”, passando uma das mãos nos vincos da testa; “se fosses capaz, ferreiro, feliz eu deitaria minha cabeça na bigorna e sentiria o mais pesado dos teus martelos entre meus olhos. Responde! Podes alisar esta fenda?”
Oh! Mas é justo essa, senhor! Não disse eu todas as fendas e mossas, exceto uma?”
Sim, ferreiro, é ela; sim, homem, ela não aceita teu trabalho; pois, embora só a vejas em minha carne, ela chegou ao osso do meu crânio – ele é todo fendas! Mas chega de brincadeiras; basta de fisgas e lanças por hoje. Olha aqui!”, fazendo tinir o saco de couro, como se estivesse cheio de moedas de ouro. “Também quero que me faças um arpão; um que mil parelhas de demônios não consigam quebrar, Perth; algo que permaneça cravado numa baleia como sua própria barbatana. Aqui tens o material”, atirando a bolsa sobre a bigorna. “Olha aqui, ferreiro, são pedaços de cravos recolhidos das ferraduras de aço de cavalos de corrida.”
Cravos de ferraduras, senhor? Ora, Capitão Ahab, tens então o melhor e mais resistente material com que nós, ferreiros, trabalhamos.”
Sei disso, velho; esses pedaços se fundirão como a cola dos ossos derretidos dos assassinos. Rápido! Forja-me o arpão. E forja-me, antes, doze hastes para seu cabo; depois enrola e torce e martela essas doze numa só, como as linhas e os cordões de uma corda de reboque. Rápido! Eu atiçarei o fogo.”
Quando afinal as doze hastes foram feitas, Ahab experimentou-as, uma a uma, girando-as, com as próprias mãos, em torno de uma longa e pesada cavilha de ferro. “Um defeito!”, rejeitando a última. “Faça-a de novo, Perth.”
Feito isso, Perth ia começar a soldar as doze hastes numa só, quando Ahab lhe segurou a mão e disse que ele mesmo soldaria seu ferro. Enquanto, com pigarros regulares e ofegantes, ele martelava na bigorna, com Perth passando-lhe as hastes incandescentes, uma após a outra, e a forja duramente provocada lançava ao alto sua intensa chama reta, o Parse atravessou em silêncio e, inclinando a cabeça em direção ao fogo, pareceu invocar alguma praga, ou bênção, sobre o trabalho. Mas, assim que Ahab lhe dirigiu o olhar, ele se afastou.
O que aquela penca de luciferários estará tramando?”, murmurou Stubb, observando do castelo de proa. “Aquele Parse cheira a fogo de pavio; ele mesmo tem esse cheiro, como a caçoleta de pólvora quente de um mosquete.”
Por fim o cabo, já compondo uma única haste, recebeu a chama final; e assim que Perth, para temperá-lo, mergulhou-o chiando no barril de água perto dele, o vapor escaldante subiu ao rosto inclinado de Ahab.
Queres marcar-me a fogo, Perth?”, estremecendo um instante pela dor; “estive então forjando meu próprio carimbo?”
Rogo a Deus que não; mas receio algo, Capitão Ahab. Não seria este arpão para a Baleia Branca?”
Para o demônio branco! Mas agora, à farpa; tu mesmo deves fazê-la, homem. Aqui estão minhas navalhas – o melhor do aço; aqui, e faze a farpa tão pontuda quanto o granizo agulheado do Mar Glacial.”
Por um instante o velho ferreiro olhou para as navalhas como se hesitasse em usá-las.
Pega-as, homem, já não preciso delas; pois já não faço a barba, nem como, nem rezo até que – mas toma aqui – ao trabalho!”
Modelado afinal à maneira de uma flecha, e soldado por Perth ao cabo, o aço logo despontou da extremidade do ferro; e no momento em que o ferreiro se aprontava para dar às farpas a chama final, antes de temperá-las, gritou a Ahab para que trouxesse o barril de água para perto.
Não, não – não quero água para isso; quero que o seja pela verdadeira têmpera da morte. Ó, de bordo! Tashtego, Queequeg, Daggoo! Que dizeis, pagãos? Vós me dareis sangue suficiente para temperar essa farpa?”, segurando-a no alto. Um grupo de cabeças escuras acenando respondeu, Sim. Foram feitos três buracos na carne pagã, e as farpas da Baleia Branca foram então temperadas.
Ego non baptizo te in nomine patris, sed in nomine diaboli!”, uivou Ahab em delírio, enquanto o ferro maligno devorava ardentemente o sangue batismal.
Depois, examinando as hastes sobressalentes no chão e escolhendo uma de nogueira, ainda revestida de casca, Ahab prendeu a ponta ao encaixe do ferro. Um rolo novo de corda de reboque foi então desenrolado, algumas braças levadas para o molinete e ali esticadas com grande tensão. Pressionando a corda com o pé até ela zunir como a corda de uma harpa, depois se curvando, ansioso, sem encontrar qualquer filamento solto, Ahab exclamou, “Bom! Agora, à costura”.
Numa extremidade a corda foi desfeita, e os vários cordões espalhados trançaram-se e entreteceram-se em torno do encaixe do arpão; a haste foi então empurrada com força para dentro do encaixe; e a corda foi apertada até a metade do comprimento da haste, firmemente ligada às tranças do cordão. Feito isso, cabo, ferro e corda – como as Três Parcas – fizeram-se inseparáveis, e, de arma em punho, Ahab pôs-se em taciturna marcha; o ruído de sua perna de marfim e o ruído da haste de nogueira, ambos ressoavam ocos ao longo de todas as tábuas. Mas antes de entrar na cabine ouviu-se um ruído leve, sobrenatural, meio zombeteiro, mas muito comovente. Ah, Pip! Tua risada infeliz, teu olhar indolente, porém incansável; toda essa tua estranha pantomima fundia-se não sem sentido à tragédia lúgubre do navio melancólico, e dela zombavam!

Herman Melville, in Moby Dick

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