segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

          “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.”
Foi a frase – que rola pela internet atribuída a vários autores diferentes – que minha amiga amada pediu para pintarem na parede do quarto quando começou a quimioterapia. E ela viveu todos os seus dias intensamente, com um sorriso no rosto, pedindo pra ficar mais um pouco.
Até que um dia ela se foi. E eu, aos 18 anos, me prometi que viveria por mim e por ela. Que não teria medo de arriscar e que nunca faria da minha vida um mero encadeamento de dias. Estou tentando.
Então, diariamente, uma pergunta martela na minha cabeça: quanto tempo perdemos? E quanto tempo ainda vamos perder?
Porque me falta tempo; porque acordo cedo amanhã; porque estou com enxaqueca; porque estou de dieta. Com excesso de zelo, excesso de cautela, excesso de fé na ideia de que sempre pode ficar para amanhã.
Chega, vai. A vida é só uma e passa correndo. Quando a gente vê, já passaram as chances e tudo o que sobra na cabeça é um triste e fosco rol de hipóteses não tentadas e de riscos não corridos.
E essa conversa não é necessariamente sobre projetos grandiosos. É simplesmente sobre sopros de liberdade. Sobre uma vida mais feliz por ter menos regras intransponíveis.
É sobre pegar um cinema sozinho, de preferência numa terça-feira.
Sobre comprar uma passagem poucas horas antes do voo. E ir só com a roupa do corpo.
Sobre voltar da padaria com um sonho pro porteiro do prédio.
Sobre ir de pijama à garagem buscar aquele negócio que ficou no carro.
Sobre entrar no elevador com a toalha de banho enrolada na cabeça.
Sobre comer jiló, javali, jaca, jacaré.
Sobre pedir desculpas por um erro de 2002.
Sobre pegar insetos nas mãos.
Sobre ligar, dizer que sente falta, que sente muito, que sente que pode ser agora.
Sobre comprar aquela peça de roupa que você sempre namorou, mas que acha inadequada para a sua idade ou para o seu tipo físico.
Sobre fazer caretas para as crianças da van escolar no trânsito.
Sobre parar num bar e tomar uma, duas, três cervejas só na sua companhia, em horários incomuns.
Sobre deitar na cama, dormir de roupa, sem escovar os dentes.
Sobre finalmente mandar pessoas tóxicas à merda.
Sobre cortar curtinho, pular do alto, nadar no fundo.
Sobre um belo dia resolver mudar e fazer tudo o que se quer fazer, se libertando daquela vida vulgar que a Rita Lee cantou.
Sobre não se render mais um dia à tal prudência egoísta que nada arrisca da frase lá do início.
Porque é fácil levar uma vida banal e queixar-se dela. Mas será que quando a vida não é fantástica a culpa é do destino ou a culpa é nossa? Eu não sei se a vida é curta, mas sei que essa vida é uma só. E que o tempo não volta.
A gente tem que fazer o que tem que ser feito.
Pode ser hoje. Façamos ser hoje.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

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