— Reconhece este sujeito? — perguntou
Aparício, enquanto se acomodava na cadeira de jacarandá que
pertencera ao seu avô. Ele trazia nas costas o peso do tempo, mas
ainda mantinha na face serena a imponência dos tempos da mocidade.
— Buenas, seu Hermes — disse o jovem
Lauro estendendo a mão para cumprimentar o homem. O velho Hermes,
gaúcho retaco e barrigudo, respondeu ao cumprimento com má vontade,
agarrando a mão de Lauro pela ponta dos dedos, e ficou em silêncio,
apenas encarando o rapaz.
Lauro imediatamente entendeu o que estava
acontecendo. Desde o verão passado, vinha se encontrando às
escondidas com Ana, filha de Hermes. Mas, ainda naqueles dias, depois
de um baile de ramada e uns tragos de vinho, conseguira arrastar a
morena pras sombras de um galpão e lá mesmo fez o estrago. Teve que
espantar da cabeça os pensamentos para conseguir conter o fino
sorriso que insistia em lhe brotar dos lábios.
— Não tens nada pra nos contar, Lauro?
— indagou Aparício da Silva Bueno, com as mãos cruzadas sobre a
barriga e os polegares dançando em volta do eixo.
— Com todo respeito, meu padrinho, se
estamos aqui é porque nem preciso contar nada — disse ele.
Hermes, que a tudo assistia calado,
levantou-se da cadeira, apertou os olhos inquisidores e ficou
estudando Lauro. Respirou forte, alisou a gola de seu casaco e disse:
— Pois bem, se não tens nada para me
contar, tampouco pede desculpas, imagino que tenhas alguma solução
para o mal que fizeste?
Aparício acompanhava a cena em um
silêncio respeitoso, afinal, também era pai e daria todo o apoio
para o velho Hermes, decidisse o que decidisse.
— Com perdão, seu Hermes. Errei e não
nego. Mas quero que vosmecê saiba que gosto muito da sua filha Ana.
— Lauro fez uma pequena pausa para tomar coragem. — Se o senhor
consentir, eu tenho uma proposta. Mas meu padrinho teria que
concordar também.
Lauro Contreras, como bom contador de
histórias que era, deixou sua frase fazer o efeito desejado e ficou
aguardando a reação dos interlocutores.
— Pois fala duma vez, menino! Não
temos a noite toda! — disse o padrinho.
— Bem, com tudo que aprendi sobre a
lida e os negócios com o senhor, tenho pensado muito na situação
lá no campo das “lebre”. Como aquela ponta de campo é muito
longe, está meio abandonada. É quase uma tropeada ir lá recorrer
e, além do que, o gado que está lá engordando pode acabar se
extraviando por aí, ou algo pior. Quem sabe, se o seu Hermes achar
que é certo, levanto um rancho lá naquele fundão e cuido do que
tiver por lá. Fico de posteiro da estância e ainda me junto com a
Ana pra reparar o mal que fiz.
O velho Aparício, pensativo, batia os
dedos compassadamente em sua escrivaninha. Hermes, por sua vez,
acendeu um cigarro, deu uma tragada e, ao assoprar a fumaça na
fronte do outro, não escondeu o sorriso.
— O mal está feito e não tem como
desfazer. Senhor Aparício, ficaria muito grato se vosmecê
concedesse o posto pra este rapaz levar minha filha a morar com ele.
— O posto está concedido — disse
Aparício. — Parabéns pelo casório, então, seu Lauro!
Hermes ficou feliz em ter uma boca a
menos no rancho e de ter a filha apadrinhada por um dos estancieiros
mais ricos da região.
— Parabéns, gaúcho! Assim, evitaste
que Ana enviuvasse antes de casar e de colocar mais um guri sem pai
pelo mundo.
Surpreso pelo comentário, Lauro abraçou
o velho e ganhou o cumprimento de seu padrinho. Foram juntos dar a
notícia para a peonada, que aguardava ansiosa no galpão.
— Não é que o patrão preparou este
assado todo pra colocar um freio no Lauro? Mas que barbaridade! —
Euleutério troçava aos risos, já estava mais do que passado no
trago.
Aparício da Silva Bueno foi quem deu a
notícia para a mulata Pitanga. Já Lauro Contreras, resignado,
comemorou noite adentro. Assim, nasceu o Posto das Lebres.
R. Tavares, in Andarilhos
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