terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Lauro Contreras

          Lauro Contreras era o melhor peão da estância — disso ninguém duvidava, diziam os demais ao apresentar aquele homem de jeito sério, que hoje respondia por sota-capataz da Estância do Silêncio.
Afilhado do velho Aparício, aprendera com seu padrinho o ofício de administrar os campos, de realizar as compras e as vendas, de cuidar das plantações e dos negócios. Mas foi com o capataz da estância, o seu Euleutério, que viu o que era ser gaúcho de fato: o velho lhe ensinou a domar, a tropear, a esquilar, lidar com cordas, com remédios e benzeduras, aprendeu a barrear ranchos e trabalhar com palha de santa-fé. Não era orgulhoso — quando não sabia algo, pedia que lhe ensinassem.
Lauro Contreras era respeitador e divertido. Mas o homem, normalmente sereno e de sorriso fácil, virava um verdadeiro touro quando provocado. Ao completar vinte anos, foi nomeado sota-capataz, e seu padrinho oferecera uma festa apenas para a peonada. Até alguns de fora apareceram para comemorar. Mas onde tem trago ‘a lo largo’, sempre tem algum bochincho. Daquela feita, não foi diferente.
Anos depois, o padrinho ainda contava, orgulhoso, a famosa peleia do aniversário: tinha oferecido um churrasco para que os peões comemorassem o aniversário de seu afilhado. O aniversariante puxara a faca da cintura para tirar mais uma lasca do assado oferecido pelo padrinho. Sorria com o beiço engraxado da carne de ovelha e ria das bravatas e causos que a gauchada contava. Um dos de fora, que estava na estância apenas pra pernoitar, mirava a todos, assim como quem olha sem ver. Euleutério resolvera então contar alguma de suas famosas histórias com as chinas:
... e não é que levei a muchacha na garupa? — dissera aos risos. — O topetudo que queria briga ficou solito. Mas isso eram outros tempos... O pobre Euleutério não pode mais nem com a nêga velha!
Estouraram as risadas em volta do fogo.
Se bem que se me viesse uma nêga nova, talvez ainda saísse uma rapa do tacho, hein? — dissera isso e jogara-se no banco, recuperando o fôlego, enquanto tomava mais um trago de canha.
Nova por nova, me servia uma dessas guria da casa — respondera um forasteiro, soprando calmamente a fumaça de seu palheiro.
De repente, fez-se o silêncio na roda e somente se escutavam os estalares do fogo. Lauro encarou o outro, mais firme que palanque de segurar touro brabo.
Pois, as moças da casa têm cruz no lombo, não são pra montar — atirou as palavras como se fossem um soco.
Pra mim, só não se monta na mãe da gente — disse o outro, querendo briga.
Lauro Contreras explodiu em ira e, quando se atirava para a briga, foi segurado pela peonada.
Me larguem! Vou ensinar este atrevido a respeitar as gentes da casa!
Não vamos fazer esparramo por pouca coisa, homem — disse o capataz.
O gaúcho estava com as faces vermelhas e fazia toda a força do mundo para desvencilhar-se dos braços que o seguravam.
Deixa que venha, no más, que aqui tem parelha! — provocava o forasteiro, enquanto desembainhava um punhal.
Euleutério olhou pro bravateiro e disse:
Te enforquilha no teu pingo e toma teu rumo agora, paisano. Antes que eu mande soltar o homem.
Por mim — respondeu o outro com indiferença. Assim que guardou o punhal, foi surpreendido pelo soco do Lauro, que finalmente escapou dos que o seguravam. O golpe foi tão forte que o homem caiu desmaiado no chão. Lauro escarrou na sua cara e disse:
Levanta animal! Mas que inferno! Covarde! Quando a peleia vai se aprontar tu te achica! Covarde!
O que se passa? — perguntou Aparício Bueno, que vinha chegando para averiguar o rebuliço. Não costumava se intrometer nas festas da peonada, mas a gritaria era tanta que precisou intervir.
O capataz narrou toda a história para o patrão.
Coloquem este homem por sobre os arreios e façam com que o cavalo corra pra longe daqui. Aqui na minha casa não quero esta imundície nem mais um minuto. — ordenou — E vosmecê, seu Lauro, passe no escritório que temos que conversar. Tem um senhor esperando vosmecê por lá.
Lauro olhou para a gauchada, surpreendido com o repentino convite, e acompanhou seu padrinho. No galpão, os peões seguiram a comemoração.

R. Tavares, in Andarilhos

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