domingo, 15 de novembro de 2020

Coriza

      Pai e filho estão sentados junto a uma mesa na sala de atendimento de um acupunturista, aguardando.
O acupunturista entra na sala.
Ele é chinês.
Ele se senta atrás da mesa.
Ele pede ao filho, em um inglês pronunciado esquisito, que coloque as mãos sobre a mesa.
O acupunturista chinês põe os dedos nos braços do filho e fecha os olhos. Em seguida, pede ao filho que ponha a língua para fora.
O filho o faz de maneira desafiadora.
O chinês assente com a cabeça e pede ao filho que se deite na cama de tratamento.
O filho deita-se na cama e fecha os olhos.
O pai pergunta se o filho deve tirar a roupa.
O acupunturista balança a cabeça.
Ele tira da gaveta da mesa agulhas longas e finas e começa a fixá-las no filho.
Uma atrás de cada orelha.
Uma em cada bochecha, perto do nariz.
Uma de cada lado da testa, perto do olho.
O filho geme baixinho, os olhos ainda fechados.
Agora, diz o acupunturista para pai e filho, temos que esperar.
E após o tratamento, o pai pergunta, ele vai se sentir melhor?
O acupunturista dá de ombros e sai da sala.
O pai se aproxima da cama e coloca a mão no ombro do filho.
O corpo do filho se contrai.
Quando o filho estava sendo espetado, ele não se contraiu, mas agora, sim. Meia hora depois, o chinês volta e puxa as agulhas em um movimento rápido.
Ele diz para o pai e para o filho que o corpo do menino está reagindo ao tratamento, e que isso é um bom sinal.
Como prova, ele aponta para os pontos onde as agulhas foram inseridas. Há um círculo vermelho em torno de cada um.
Em seguida, ele se senta atrás da mesa.
O pai pergunta quanto precisa pagar.
Tinha planejado perguntar isso antes do tratamento, mas esqueceu. Se lembrado de perguntar antes, estaria em melhor posição para negociar. Não que pretendesse barganhar, pois se tratava da saúde de seu único filho. O único vivo, quer dizer.
O chinês cobra 350 shekels pelo tratamento e diz ao pai que o menino precisará tomar uma medicação, depois das refeições, que custa mais cem.
O chinês explica que o menino precisa de uma série de sessões. Pelo menos dez. Todos os dias, exceto no sábado.
O acupunturista acrescenta que seria melhor se eles pudessem fazer o tratamento no sábado também, mas que ele não trabalha aos sábados porque a esposa não permite.
Esposa” é praticamente a única palavra além de “coriza” que ele diz em hebraico.
Quando ele diz “esposa”, o pai sente uma terrível sensação de solidão.
O pai tem uma ideia estranha.
Ele quer dizer ao acupunturista que precisa ir ao banheiro e, quando trancar a porta, se masturbará.
Ele acha que isso vai lhe trazer algum alívio para esse sentimento de solidão. Ele não tem certeza.
Na medicina chinesa, o esperma é considerado uma forma de energia. Quando se ejacula, a pessoa enfraquece, e é por isso que não é recomendado fazê-lo, especialmente quando já se está fraco.
O pai não sabe de nada disso, e ainda assim desiste da ideia. A solidão é difícil para ele, mas não se sente confortável deixando seu filho sozinho com este chinês.
Todos os dias, exceto no sábado, o acupunturista repete. Ele acha que o pai não estava ouvindo na primeira vez.
O pai paga com notas novas. Exatos quatrocentos e cinquenta. Não é preciso dar troco.
Eles marcam uma sessão para o dia seguinte.
No caminho para a porta, o chinês lhes diz em hebraico, “Fiquem bem, vocês dois”.
O filho acha estranho que o chinês diga isso. Afinal, ele é o único que está doente.
O pai não percebe isso. Ele está pensando em outra coisa.
Esposa”, “coriza”, “fiquem bem, vocês dois”.
Fiquem bem, vocês dois”, “coriza”, “esposa”.
Não há nada mais estranho do que ouvir um chinês falando hebraico.

Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta

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