Eu sou uma daquelas pessoas cujas mãos
começam a coçar, cuja língua tenta fugir de dentro da boca, cujo
peito não lida nada bem com o silêncio em época de eleições.
Aliás, não apenas em época de eleições, mas sempre que algum
tema relevante – acerca do qual eu tenha opinião formada – vem à
tona.
Sou daquelas chatas que vão estudar, ler
20 reportagens de veículos de comunicação diferentes e depois
conversar com 8 amigos, 5 parentes e 3 desconhecidos de opiniões
diversas sobre esses assuntos polêmicos, tentando embasar o que
pensam.
Pertenço a uma espécie que sofre: a que
julga que silenciar é compactuar com o que está acontecendo,
independentemente de sua posição política. Por isso nós nos
manifestamos, discutimos, nos chateamos, chateamos os outros e nos
desiludimos com o mundo. Não tenho dúvidas de que a minha vida
seria mais fácil se eu me interessasse apenas por cores de batom e
campeonato brasileiro.
Mas, enfim, cada um sente o que sente,
cada um luta pelas suas causas.
Porém, em meio a tantas razões e tanto
sentimento, começam os embates. Opiniões divergentes, respostas
ácidas, questionamentos, provocações. Pessoas queridas nos
frustram, pessoas às quais somos indiferentes mostram-se
necessárias. Arame farpado, rosas cheias de espinhos. E surge a
polêmica pergunta: vai deixar que a amizade de vocês acabe por
causa de política?
Não. As amizades não acabam por causa
de política. Amizade de verdade, com gente boa, não acaba por
pensarmos igual, muito menos por pensarmos diferente. Isso nunca. Não
se rompe amizade por causa do número da legenda partidária, nem por
visões distintas da economia, nem por prioridades políticas
diferentes. O que pode acontecer é descobrirmos que certas pessoas
simplesmente não são quem nós pensávamos que eram.
No momento em que descobrimos que pessoas
que nos cercam utilizam argumentos racistas, a amizade realmente
precisa acabar. Quando fica claro que alguns amigos se orgulham do
próprio machismo, é preciso deixá-los para trás. Quando aquele
velho conhecido do prédio revelar seu discurso homofóbico de ódio,
vá embora. Quando a amiga da sua mãe disser que pobre não devia
ter direito a voto, corte relações.
Piadas com violência sexual. Ode à
ditadura. Incitação à violência. Tratar animais melhor do que
trata os empregados. Novas versões do fascismo. Xenofobia. Nós não
podemos relativizar essas coisas. A gente precisa se posicionar, por
mais dolorido que seja.
As amizades não acabam por causa de
política, acabam porque descobrimos que tem gente que era querida,
mas que se revela nojenta. E quando elas se mostram assim, o afeto
pega as malas e vai embora. Porque o afeto não se engana. Ele sabe
que permanecer ao lado delas, conhecendo-as assim, seria uma nítida
forma de compactuar com o ódio, a pequeneza e a miserabilidade
dentro da qual residem as piores formas de segregação e violência.
As amizades não acabam por causa de
política. Acabam porque a discussão política muitas vezes revela a
verdadeira cara de muita gente. E essas caras não são, nem nunca
serão, caras amigas.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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