sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A via-láctea

          A minhoca, que não era maior do que um dedo mindinho, comia corações de pássaros. Seu pai era o melhor caçador da aldeia dos mosetenes.
A minhoca crescia. De repente, teve o tamanho de um braço. Cada vez exigia mais corações. O caçador passava o dia inteiro na selva, matando para seu filho.
Quando a serpente não cabia mais na choça, a selva tinha ficado vazia de pássaros. O pai, flecha certeira, ofereceu-lhe corações de jaguar.
A serpente devorava e crescia. Já não havia jaguares na selva.
Quero corações humanos – disse a serpente.
O caçador deixou sem gente a sua aldeia e as comarcas vizinhas até que um dia, em uma aldeia distante, o surpreenderam no galho de uma árvore e o mataram.
Acossada pela fome e pela saudade, a serpente foi buscá-lo.
Enroscou seu corpo em torno da aldeia culpada, para que ninguém pudesse escapar. Os homens lançaram todas as suas flechas contra aquele anel gigante que os havia sitiado. Enquanto isso, a serpente não deixava de crescer.
Ninguém se salvou. A serpente resgatou o corpo de seu pai e cresceu para o alto.
E lá se vê, ondulante, eriçada de flechas luminosas, atravessando a noite.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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