Eu estava na casa dos vinte anos e,
embora estivesse bebendo muito e sem comer, ainda era forte. Quero
dizer, fisicamente, e isso é uma sorte quando todo o resto não está
indo bem. Minha mente estava amotinada contra o meu destino e a minha
vida, e a única maneira de acalmá-la era beber e beber e beber.
Estava caminhando pela estrada, empoeirada e suja e quente, e creio
que era o estado da Califórnia, mas não tenho mais certeza. Era uma
região desértica. Estava caminhando ao longo da estrada, minhas
meias duras e apodrecidas e fedorentas, os pregos estavam
atravessando a sola dos meus sapatos e para dentro dos meus pés e eu
colocava papelão nos sapatos: papelão, jornal, qualquer coisa que
encontrasse. Os pregos passavam mesmo assim e, ou você arranjava
mais papel, ou virava a coisa do outro lado, ou de cabeça para
baixo, ou mudava o seu formato.
Um caminhão parou ao meu lado. Ignorei-o
e continuei caminhando. O caminhão arrancou e novamente o sujeito
dirigia ao meu lado.
– Garoto – o sujeito disse –, você
quer um emprego?
– Quem tenho que matar? – perguntei.
– Ninguém – disse o sujeito –,
venha, entre.
Dei a volta até o outro lado e quando
cheguei lá a porta estava aberta. Pisei no estribo, entrei, fechei a
porta e me recostei no assento de couro. Estava fora do sol.
– Quer me chupar? – o sujeito disse.
– Ganha cinco pratas.
Dei-lhe um golpe com a direita no
estômago, a esquerda em algum lugar entre a orelha e o pescoço,
soltei mais uma de direita em direção à boca, e o caminhão saiu
da estrada. Agarrei o volante e o coloquei de volta na pista. Então
desliguei o motor e freei. Desci e continuei a caminhar pela estrada.
Aproximadamente cinco minutos depois o caminhão estava novamente ao
meu lado.
– Garoto – disse o sujeito –, me
desculpe. Não quis dizer isso. Não quis dizer que você é veado.
Quero dizer, embora você meio que pareça um. Há algo errado em ser
gay?
– Acho que se você é um, não há
problema.
– Venha – disse o sujeito –, entre.
Tenho um emprego realmente honesto para você. Pode conseguir algum
dinheiro, mudar de vida.
Subi novamente. Partimos.
– Me desculpe – ele disse –, você
tem cara de durão, mas olhe as suas mãos. Mãos de moça.
– Não se preocupe com as minhas mãos
– eu disse.
– Bem, é um trabalho duro. Carregando
vigas. Já carregou vigas?
– Não.
– É um trabalho duro.
– Já peguei vários desses na vida.
– Ok – disse o sujeito.
– Ok.
Seguimos dirigindo sem conversar, o
caminhão balançava pra lá e pra cá. Não havia nada além de
poeira, poeira e deserto. O sujeito não tinha muita cabeça, não
tinha muito de nada. Mas às vezes pessoas insignificantes que
permaneciam no mesmo lugar por um longo tempo conseguiam um pequeno
prestígio e poder. Ele tinha o caminhão e estava contratando. Às
vezes é preciso aguentar essas coisas.
Seguimos andando e havia um velho
caminhando pela estrada. Devia estar já nos quarenta anos. Já era
velho demais para andar na estrada. Esse sr. Burkhart, ele me disse
seu nome, diminuiu a velocidade do caminhão e perguntou ao velho.
– Ei, amigo, quer ganhar alguns
trocados?
– Oh, sim, senhor! – disse o velho.
– Mexa-se. Deixe-o entrar – disse o
sr. Burkhart.
O velho entrou e ele realmente fedia: de
bebida e suor e agonia e morte. Seguimos até que chegamos a um
pequeno grupo de prédios. Saímos com Burkhart e caminhamos até uma
loja. Havia um sujeito usando uma viseira verde com um monte de
borrachas ao redor do pulso esquerdo. Era careca, mas seus braços
estavam cobertos com pelos loiros, longos e finos.
– Olá, sr. Burkhart – ele disse –,
vejo que o senhor encontrou mais um par de bêbados.
– Aqui está a lista, Jesse – disse o
sr. Burkhart, e Jesse caminhou pela loja pegando os produtos. Demorou
algum tempo. Então ele juntou o pedido.
– Mais alguma coisa, sr. Burkhart? Duas
garrafas de vinho barato?
– Nada de vinho para mim – eu disse.
– Ok – disse o velho –, ficarei com
as duas.
– Sairá do seu pagamento – Burkhart
disse ao velho.
– Não importa – respondeu –,
desconte do salário.
– Tem certeza que não quer uma
garrafa? – Burkhart me perguntou.
– Tudo bem – eu disse –, levarei
uma.
Tínhamos uma barraca e naquela noite
bebemos o vinho e o velho me contou seus problemas. Tinha perdido a
esposa. Ainda a amava. Pensava nela o tempo todo. Uma grande mulher.
Ele ensinava matemática. Mas perdeu sua esposa. Nunca uma mulher
como ela. Blá, blá, blá.
Cristo, quando acordamos o velho estava
doente e eu não me sentia muito melhor. O sol estava alto e fomos
fazer o nosso trabalho: empilhar dormentes de medida que aumentava,
tínhamos que contar. “Um, dois, três” e os atirávamos.
O velho tinha uma bandana amarrada na
cabeça, e o resultado da bebedeira destilava de sua cabeça para a
bandana, que se encharcava e escurecia. De vez em quando, uma lasca
de um dos dormentes cortava a luva apodrecida e perfurava minha mão.
Normalmente a dor seria insuportável e eu teria desistido, mas o
cansaço anestesiava os sentidos, realmente os anestesiava. Eu ficava
apenas brabo quando acontecia: como se quisesse matar alguém, mas,
quando olhava ao redor, havia apenas areia e penhascos e o sol forte,
amarelo, brilhante, seco e nenhum lugar para ir.
De vez em quando, a empresa ferroviária
trocava os dormentes. Deixavam os velhos do lado dos trilhos. Não
havia nada de muito errado com os velhos, mas a ferrovia os deixava
por ali e Burkhart tinha sujeitos como nós para empilhá-los em
montes que ele levava no caminhão e vendia. Imagino que tenham muita
utilidade. Em alguns ranchos se podia vê-los fincados no chão,
servindo como mourões para as cercas de arame farpado. Suponho que
havia outros usos também. Não estava muito interessado.
Era como qualquer outro trabalho
impossível, você se cansava e queria pedir demissão e então
ficava mais cansado e esquecia de se demitir e os minutos não
avançavam, vivia-se para sempre dentro de um minuto, sem esperança,
sem saída, preso, muito entorpecido para se demitir e sem nenhum
lugar para ir caso se demitisse.
– Garoto, perdi minha esposa. Ela era a
mulher mais maravilhosa do mundo. Fico pensando nela. Uma boa mulher
é a melhor coisa do planeta.
– É.
– Se ao menos tivéssemos um pouco de
vinho.
– Não temos nada de vinho. Temos que
esperar até a noite.
– Será que alguém entende os bêbados?
– Só os outros bêbados.
– Você acha que essas lascas nas
nossas mãos irão para o coração?
– Sem chance. Nunca teremos essa sorte.
Dois índios vieram e nos observaram.
Ficaram nos observando por um longo tempo. Quando o velho e eu nos
sentamos em um dormente para fumar um cigarro, um dos índios veio
até nós.
– Vocês estão fazendo tudo errado –
ele disse.
– Como assim? – perguntei.
– Estão trabalhando no horário mais
quente do deserto. O que devem fazer é acordar cedo pela manhã e
trabalhar enquanto ainda está fresco.
– Você está certo – eu disse. –
Obrigado.
O índio estava certo. Decidi que
levantaríamos cedo. Mas nunca conseguíamos. O velho estava sempre
enjoado da bebedeira da noite, e eu não conseguia fazê-lo levantar
a tempo.
– Mais cinco minutos – ele dizia. –
Mais cinco minutos.
Finalmente, um dia, o velho desistiu. Não
podia levantar outro dormente. Ficava se desculpando por isso.
– Está tudo bem, velho.
Voltamos para a barraca e esperamos pela
noite. O velho falava deitado. Ficava falando de sua ex-esposa.
Ouvi-o falar de sua ex-esposa por todo o dia e noite adentro. Então
Burkhart chegou.
– Jesus Cristo, vocês não fizeram
muito hoje. Estão pensando em viver do que a terra dá?
– Acabou, Burkhart – eu disse –,
estamos esperando pelo dinheiro.
– Acho que o melhor é não pagá-los.
– Se você sabe o que é o melhor –
eu disse –, então vai pagar.
– Por favor, sr. Burkhart – disse o
velho –, por favor, por favor, trabalhamos muito duro, trabalhamos
honestamente.
– Burkhart sabe o que fizemos – eu
disse. – Ele fez a contagem das pilhas e eu também.
– Setenta e duas pilhas – disse
Burkhart.
– Noventa pilhas – eu disse.
– Setenta e seis pilhas – disse
Burkhart.
– Noventa pilhas – eu disse.
– Oitenta pilhas – disse Burkhart.
– Vendido – eu disse.
Burkhart tirou seu lápis e papel e nos
cobrou pelo vinho, pela comida, pelo transporte e pelo alojamento. O
velho e eu ganhamos, cada um, dezoito pratas por cinco dias de
trabalho. Pegamos a grana. E ganhamos uma carona de graça para a
cidade. De graça? Burkhart fodera com a gente direitinho. Mas não
podíamos chamar a lei, porque, quando você não tem dinheiro, a lei
deixa de funcionar.
– Por Deus – disse o velho –, vou
ficar realmente bêbado. Vou ficar bem e bêbado. Você não, garoto?
– Acho que não.
Entramos no único bar na cidade e nos
sentamos. O velho pediu um vinho, e eu, uma cerveja. Ele começou a
ladainha de sua ex-esposa novamente e eu fui para a outra ponta do
bar. Uma garota mexicana desceu pelas escadas e sentou-se ao meu
lado. Por que sempre desciam pelas escadas desse jeito, como nos
filmes? Eu mesmo me senti como se estivesse em um filme. Paguei-lhe
uma cerveja.
Ela disse:
– Meu nome é Sherri.
E eu disse:
– Esse nome não é mexicano.
– Não precisa ser.
– Está certo.
No andar de cima, tudo me custou cinco
dólares, e ela me lavou antes e depois. Lavou-me em uma bacia
pequena e branca na qual se via pintinhos pintados perseguindo uns
aos outros ao redor da bacia. Ela, em dez minutos, ganhou o mesmo que
eu tinha ganhado em um dia e mais algumas horas. Em termos
monetários, parecia mais do que certo que era melhor ter uma buceta
do que um caralho.
Quando desci a escada, o velho já estava
com a cabeça caída no bar. Já estava bêbado. Não tínhamos
comido o dia inteiro e ele não tinha nenhuma resistência. Havia um
dólar e algumas moedas perto de sua cabeça. Por um momento pensei
em levá-lo comigo, mas eu não conseguia nem mesmo tomar conta de
mim. Saí. Estava fresco lá fora e eu caminhei para o norte.
Senti-me mal por deixar o velho lá para
os pequenos abutres da cidade. Então imaginei se a esposa do velho
pensava nele de vez em quando. Decidi que não ou que, se pensava,
provavelmente não era da mesma maneira que ele pensava nela. Por
toda a terra rastejavam pessoas tristes e machucadas, como ele.
Precisava de um lugar para dormir. A cama em que estive com a garota
mexicana fora a primeira cama que vi nas últimas três semanas.
Algumas noites atrás, eu tinha
descoberto que, quando esfria, as farpas em minhas mãos latejam.
Podia sentir onde cada uma estava. Começou a esfriar. Não posso
dizer que odeie o mundo dos homens e das mulheres, mas eu sentia um
certo nojo que me separava dos artesãos e dos comerciantes, dos
mentirosos e dos amantes, e agora, décadas mais tarde, sinto esse
mesmo nojo. É claro, essa é apenas a história de um homem ou a
visão de um homem da realidade. Se você continuar lendo, talvez a
próxima história seja mais alegre. Espero que sim.
Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum
Nenhum comentário:
Postar um comentário