terça-feira, 20 de outubro de 2020

Amor por $17,50

          O primeiro desejo de Robert – quando começou a pensar nessas coisas – foi esgueirar-se, em uma noite qualquer, para dentro do Museu de Cera e fazer amor com as mulheres de cera. Isso pareceu, entretanto, muito perigoso. Limitou-se a fazer amor com estátuas e manequins em suas fantasias sexuais e viver em seu mundo de fantasia.
Um dia, enquanto esperava no sinal vermelho, olhou a entrada de uma loja. Era uma dessas lojas que vendem de tudo: discos, sofás, livros, trivialidades, lixo. Foi lá que a viu, parada, com um longo vestido vermelho. Usava uns óculos sem armação, tinha boa forma; digna e sexy como costumavam ser. Uma gata de classe. Então o sinal mudou para o verde e ele teve que arrancar.
Robert estacionou um quarteirão adiante e voltou caminhando até a loja. Permaneceu do lado de fora, perto da banca de jornais, e a fitou. Até os olhos pareciam reais e a boca era muito impulsiva, só um pouquinho saliente.
Robert entrou na loja e olhou o mostruário de discos. Estava, então, próximo a ela e a olhava de modo furtivo. Não, não as faziam mais dessa forma. Usava até mesmo sapatos de salto alto.
A garota na loja veio até ele.
Posso ajudar, senhor?
Estou apenas olhando, moça.
Se houver algo que queira, pode me chamar.
Certamente.
Robert foi até o manequim. Não havia uma etiqueta de preço. Imaginou se estaria à venda. Caminhou novamente até o mostruário de discos, escolheu um barato e o comprou da garota.
Na vez seguinte em que visitou a loja, o manequim ainda estava lá. Robert caminhou pela loja, comprou um cinzeiro que era moldado de forma a imitar uma cobra enrolada e depois saiu.
Na terceira vez em que esteve lá, perguntou à garota:
O manequim está à venda?
O manequim?
Sim, o manequim.
Quer comprá-lo?
Sim, você vende coisas, não? O manequim está à venda?
Só um momento, senhor.
A garota foi até o fundo da loja. Uma cortina se abriu e um velho judeu apareceu. Os dois botões de baixo de sua camisa estavam faltando e era possível ver sua barriga peluda. O sujeito parecia suficientemente amigável.
Você quer comprar o manequim, senhor?
Sim, está a venda?
Bem, na verdade não. Sabe, é uma espécie de peça de vitrine, feita de brincadeira.
Quero comprá-la.
Bem, vejamos...
O velho judeu foi até o manequim e começou a tocá-lo, o vestido, os braços.
Vejamos... Acho que posso vender essa... coisa... por $17,50.
Vou levar.
Robert puxou uma nota de vinte. O vendedor contou o troco.
Vou sentir falta dela – ele disse. – Às vezes parece ser quase real. Devo embrulhá-la?
Não, vou levá-la como está.
Robert pegou o manequim e carregou-o até o carro. Deitou-a no banco traseiro. Então entrou e dirigiu até sua casa. Quando chegou lá, por sorte, não parecia haver ninguém por perto e a fez passar pela porta sem ser visto. Colocou-a no centro da sala e a olhou.
Stella – ele disse. – Stella, sua cadela!
Caminhou até ela e deu-lhe um tapa na cara. Então agarrou sua cabeça e a beijou. Foi um bom beijo. Seu pênis começava a endurecer quando o telefone tocou.
Alô?
Robert?
Sim.
É o Harry.
Como vai, Harry?
Bem. O que você está fazendo?
Nada.
Pensei em dar uma chegada aí. Levar algumas cervejas.
Ok.
Robert desligou o telefone, pegou o manequim e carregou-o até o armário. Empurrou-o para um canto e fechou a porta.
Harry realmente não tinha muito a dizer. Ficava lá sentado com sua lata de cerveja.
Como está a Laura? – perguntou.
Ah – disse Robert –, está tudo acabado entre mim e Laura.
O que aconteceu?
A eterna mordida da vampira. Sempre em cena. Era implacável. Procurava homens em toda a parte: na loja de conveniência, na rua, em cafés, em qualquer lugar e dava para qualquer um. Não importava quem fosse, desde que fosse homem. Flertou até mesmo com um cara que discou o número errado. Não aguentei mais.
Está sozinho agora?
Não, estou com outra. Brenda. Você já a conheceu.
Ah, claro. Brenda. Ela é legal.
Harry ficou ali bebendo cerveja. Harry nunca teve uma mulher, mas estava sempre falando sobre elas. Havia algo doentio nele. Robert não encorajou a conversa, e Harry logo partiu. Robert foi até o armário e tirou Stella de lá.
Sua puta de merda! – disse. – Andou me traindo, não é mesmo?
Stella não respondeu. Ficou ali em pé parecendo tranquila e fria. Deu-lhe uma tremenda bofetada. Ainda está pra nascer o dia em que uma mulher traia Bob Wilkenson e fique impune. Deu outro bofetão.
Sua piranha! Foderia um garoto de quatro anos se ele conseguisse ficar de pau duro, não é mesmo?
Deu outro tapa, então a agarrou e a beijou. Beijou-a mais e mais. Então suas mãos entraram por baixo do vestido. Tinha boas formas, muito boas. Stella o lembrava de uma professora de álgebra do ensino médio. Stella estava sem calcinhas.
Vagabunda! – disse. – Quem levou suas calcinhas?
Então seu pênis foi pressionado contra a parte frontal dela. Não havia abertura. Mas Robert estava tomado de paixão. Enfiou o pau por entre as coxas. Era liso e apertado. Deu um jeito e seguiu adiante. Por um momento apenas, sentiu-se extremamente tolo, então sua paixão voltou novamente e ele começou a beijar-lhe o pescoço enquanto fazia o serviço.
Robert lavou Stella com um pano de pratos, colocou-a no armário atrás de um sobretudo, fechou a porta e ainda deu um jeito de assistir pela televisão o último tempo de Detroit Lions contra Los Angeles Rams.
O tempo passava e tudo corria bem para Robert. Providenciou algumas melhorias. Comprou para Stella várias calcinhas, uma cinta-liga, meias longas e finas, um adereço de tornozelo.
Também comprou brincos e ficou um tanto chocado ao descobrir que seu amor não possuía orelhas. Sob todo aquele cabelo, não havia orelhas. Mesmo assim, prendeu os brincos com fita adesiva. Mas havia vantagens: não tinha de levá-la para jantar, a festas, a filmes idiotas; todas essas coisas mundanas que significavam tanto para a mulher comum. E havia discussões. Sempre havia, mesmo com um manequim. Ela não era muito falante, mas ele estava certo de que ela, uma vez, lhe disse: “Você é o melhor amante de todos. Aquele velho judeu era um amante fraco. Você ama com a alma, Robert.”
Sim, havia vantagens. Ela não era como todas as outras mulheres que ele conhecera. Ela não queria fazer amor em momentos inconvenientes. Ele podia escolher a hora certa. E ela não menstruava. E ele a chupava. Ele cortou um pouco do cabelo da cabeça dela e o colou entre as coxas do manequim.
O relacionamento no começo era sexual, mas gradualmente ele estava se apaixonando por ela, podia sentir que estava acontecendo. Considerou a hipótese de ir a um psiquiatra, então decidiu que não. Afinal de contas, era necessário amar um ser humano real? Nunca durava muito. Havia muitas diferenças entre os sexos, e o que começava como amor, geralmente acabava como guerra.
E também não era preciso deitar na cama com Stella e ouvi-la falar sobre todos os seus antigos amantes. Como Karl tinha um troço tão grande, mas Karl não caía de boca. E como Louie dançava bem, Louie poderia ter feito a vida no ballet em vez de vender seguros. E como Marty beijava bem. Ele tinha uma maneira de tocar com a língua. E assim por diante. Que merda. É claro, Stella mencionou o velho judeu. Mas só uma vez.
Robert já estava com Stella há duas semanas quando Brenda ligou.
Sim, Brenda? – respondeu.
Robert, você não tem me ligado.
Ando terrivelmente ocupado, Brenda. Fui promovido a gerente distrital e tive de reorganizar as coisas no escritório.
É mesmo?
Sim.
Robert, algo está errado...
O que você quer dizer?
Dá pra notar pela sua voz. Algo está errado. Que diabos está errado, Robert? Há outra mulher?
Não exatamente.
O que significa isso, não exatamente?
Oh, Cristo!
O que é? O que é? Robert, algo está errado. Vou passar aí pra ver você.
Não há nada errado, Brenda.
Seu filho da puta, você não quer me contar! Algo está acontecendo. Irei até aí! Agora!
Brenda desligou, e Robert apanhou Stella e a colocou no armário, bem no fundo, no canto. Pegou o sobretudo do cabide e pendurou sobre Stella. Então voltou, sentou-se e esperou.
Brenda abriu a porta e entrou correndo.
Muito bem, o que raios está acontecendo? O que é?
Escute, garota – ele disse –, está tudo bem. Acalme-se.
Brenda era boa de corpo. Seus peitos eram um pouco caídos, mas tinha belas pernas e uma bunda bonita. Seus olhos sempre tinham um aspecto desvairado e perdido. Ele jamais poderia remediar aquele olhar. Às vezes, depois de fazer amor, uma calma temporária enchia seus olhos, mas nunca durava.
Você ainda nem me beijou!
Robert levantou-se de sua cadeira e beijou Brenda.
Jesus, isso não foi um beijo! O que está acontecendo? – ela perguntou. – O que está errado?
Nada, nada mesmo.
Se você não me contar, eu vou gritar!
Estou dizendo, não há nada.
Brenda gritou. Caminhou até a janela e gritou. Podia-se ouvi-la por toda a vizinhança. Então ela parou.
Deus, Brenda, não faça mais isso! Por favor, por favor!
Vou fazer outra vez! Vou fazer outra vez! Conte o que há de errado, Robert, ou gritarei outra vez!
Tudo bem – ele disse. – Espere.
Robert foi até o armário, tirou o sobretudo de cima de Stella e a trouxe para fora.
O que é isso? – perguntou Brenda. – O que é isso?
Um manequim.
Um manequim? Você quer dizer que...
Quero dizer que estou apaixonado por ela.
Oh, meu Deus! Sério? Por essa coisa? Esse negócio?
Sim.
Você ama mais essa coisa do que a mim? Esse pedaço de celuloide, ou seja lá do que for feita essa merda? Quer dizer que você ama essa coisa mais do que a mim?
Sim.
Suponho que a leve pra cama com você? Suponho que faça... com isso?
Sim.
Ah...
Então Brenda realmente gritou. Ficou ali em pé e gritou. Robert pensou que ela jamais pararia. Então ela pulou no manequim e começou a bater e arranhá-lo. O manequim caiu contra a parede. Brenda correu pela porta, entrou no seu carro e arrancou selvagemente. Bateu na lateral de um carro estacionado, balançou e seguiu dirigindo.
Robert caminhou até Stella. A cabeça quebrara e rolara para baixo de uma cadeira. Havia pedaços de material gredoso no chão. Um braço pendia frouxamente, quebrado, dois fios para fora. Robert sentou-se em uma cadeira. Apenas sentou-se ali. Então se levantou e foi até o banheiro, ficou ali um minuto e voltou. Ficou em pé no corredor e podia ver a cabeça embaixo da cadeira. Começou a soluçar. Era terrível. Não sabia o que fazer. Lembrou-se de como tinha enterrado seu pai e sua mãe. Mas aquilo era diferente. Isso era diferente. Apenas ficou no corredor, chorando e esperando. Os dois olhos de Stella estavam abertos e frios e bonitos. Encaravam-no.

Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum 

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