O menino educado

             O menino educado bateu na porta. Os pais dele estavam brigando, muito ocupados para atender, mas, após algumas batidas, ele entrou de todo modo. “Um erro”, o pai disse para a mãe, “é isso que nós somos, um erro. Como naquelas ilustrações que mostram como não fazer algo. Somos assim. Com um ‘não!’ grande em baixo e um X vermelho sobre a cara.” “O que você quer que eu lhe diga?”, a mãe disse ao pai, “pois tudo o que eu disser agora depois lamentarei ter dito.” “Diga, diga”, o pai rosnou, “para que esperar para depois se já pode lamentar agora?” O menino educado tinha um aeromodelo na mão. Ele o construíra sozinho. O manual que acompanhava a embalagem era numa língua que ele não entendia, mas havia ilustrações claras e setas, e o menino educado, cujo pai sempre dizia que tinha mãos boas, conseguiu construir o aeromodelo, seguindo as instruções, sem qualquer ajuda adicional. “Antigamente eu ria”, disse a mãe, “ria bastante, todo dia. E agora...” Ela acariciou o cabelo do menino educado distraidamente. “Agora eu já não rio. É isto.” “Isto?”, berrou o pai, “é isto? É o seu ‘vou lamentar isto depois’? ‘Antigamente eu ria’? Grande merda!”
Que belo avião”, a mãe disse e desviou o olhar ostensivamente do pai, “Por que você não vai brincar lá fora com ele?” “Vocês deixam?” perguntou o menino bem educado. “Lógico que deixamos”, a mãe sorriu e novamente acariciou o cabelo dele como se acaricia a cabeça de um cachorro. “Quanto tempo posso ficar lá?”, perguntou o menino educado. “Quanto você quiser”, o pai explodiu. “E se gostar de ficar lá fora, não precisa voltar. Só telefone de vez em quando para a mamãe não ficar preocupada.” A mãe se levantou e deu um tapa no pai com toda a força. Foi estranho, porque pareceu que o tapa apenas alegrou o pai, e foi justamente a mãe que começou a chorar. “Vá, vá”, disse a mãe, soluçando, ao menino educado, “vá brincar enquanto está claro. Mas volte antes de escurecer.” “Talvez o rosto dele seja duro como pedra”, o menino educado pensou ao descer a escada, “e por isto a mão dói quando se bate nele.”
O menino educado lançou o aeromodelo com toda a força. A peça fez uma acrobacia e continuou a deslizar paralelamente ao chão até se chocar contra um bebedouro. A asa se entortou ligeiramente, e o menino educado esforçou-se para endireitá-la. “Uau”, disse uma menina ruiva que ele não notara antes, e lhe estendeu a mão sardenta. “Que avião maneiro. Eu também quero fazer com que ele voe.” “Isto não é um avião”, o menino a corrigiu, “é um aeromodelo. Avião tem motor.” “Tudo bem, deixa eu tentar”, a menina ordenou sem tirar a mão, “não seja egoísta.” “Primeiro preciso arrumar a asa”, esquivou-se o menino educado, “você não está vendo que entortou?” “Egoísta”, disse a menina, “tomara que aconteça um monte de coisas ruins com você.” Ela franziu a testa na tentativa de pensar em alguma coisa mais específica, e, por fim, quando conseguiu, sorriu: “Que a sua mãe morra. É isso aí, que ela morra. Amém.” O menino educado a ignorou, exatamente como tinham ensinado que deveria fazer. Ele era uma cabeça mais alto que a garota, e se quisesse poderia ter-lhe dado um tapa, e isto doeria muito nela, muito mais do que nele, porque o rosto dela com toda a certeza não era de pedra. Mas ele não bateu nem chutou nem atirou uma pedra. Tampouco a xingou de volta. Era educado. “E que também o seu pai morra”, a ruiva acrescentou, lembrando-se, “Amém”, e foi embora.
O menino educado fez o aeromodelo voar mais algumas vezes. No arremesso mais bem-sucedido, a peça fez três acrobacias completas antes de cair. O sol também já começava a se pôr, o céu estava se tornando avermelhado. O pai lhe dissera certa vez que se a gente olha para o sol por muito tempo sem piscar, pode ficar cego, e por causa disto o menino educado tratava de fechar os olhos de vez em quando. Mas mesmo de olhos fechados, ele continuou a ver o vermelho do céu. Era estranho, e o menino educado estava ansioso para entender aquilo melhor, mas sabia que, se não voltasse para casa, logo a mãe ficaria preocupada. “O sol brilha o dia todo”, o menino educado pensou e curvou-se para pegar o aeromodelo da relva, “e eu não me atraso nunca.”
Quando o menino educado entrou em casa, a mãe continuava na sala, chorando e apertando a mão. O pai não estava lá. A mãe disse que ele estava no quarto dormindo, porque mais tarde daria plantão, e foi preparar uma omelete para o menino educado jantar. O menino educado empurrou um pouco a porta do dormitório dos pais, que não estava totalmente fechada. O pai estava deitado, vestido e calçado. Estava de bruços, olhos abertos, e quando o menino educado espiou o quarto, ele perguntou sem erguer a cabeça da cama, “Que tal o aeromodelo?” “Legal”, disse o menino educado, e quando sentiu que o que tinha dito não era suficiente, acrescentou, “muito legal.” “Eu e a mamãe às vezes brigamos e dizemos coisas para magoar um ao outro”, disse o pai, “mas você sabe que eu sempre amarei você. Certo? Sempre. Não importa o que se diga.” “Sim”, concordou o menino educado e começou a sair e a fechar a porta, “Eu sei, obrigado.”

Etgar Keret, in De repente, uma batida na porta

Explicação de Miguel de José de João

O viúvo pensa que o mundo não passa de um tolo
absurdo, ele é o homem mais triste do mundo, seu
espinho é o mais fundo e tudo é prenúncio da morte,
de seu triunfo. Uma palavra antiga, lembra: infortúnio.

Entre ele, pensa, e tudo em volta haverá para sempre
um muro e depois do muro o que houver há de ser
fútil; onde está é o certo, no escuro. Uma lembrança
flutua sobre o tumulto. Talvez nem seja exatamente

pensamento o que pensa se o que pensa, parado,
não vasculha coisa alguma que não o próprio soluço
e toda perspectiva, num instante, coagula-se. Ter vivido,
pesa, não foi senão preâmbulo de sua condição viúva.

Convulsa, jejua, recapitula, murcha; perscruta
as variações mínimas do vazio, quando uns pontos
claros que se desenham sobre o fundo de seu luto
parecem vagos turvos como o passado vistos

dali, do seu pensamento, que sobre a dor e doer
se debruça. O mundo é um espinho absurdo,
cada coisa. Quer morrer; por um minuto, não
pensa.

Eucanaã Ferraz

Maja Thurup

          Houve ampla cobertura da imprensa e da televisão, e a senhora estava para escrever um livro sobre tudo isso. O nome da senhora era Hester Adams, duas vezes divorciada, dois filhos. Tinha 35 anos, e alguém poderia imaginar que essa seria sua última jogada. As rugas estavam aparecendo, os peitos estavam caindo já há algum tempo, os tornozelos e as panturrilhas estavam engrossando, já havia sinais de uma barriga. A América aprendeu que a beleza reside apenas na juventude, especialmente para a mulher. Mas Hester Adams tinha a sombria beleza da frustração e da perda vindoura; era algo que rastejava por cima dela, a perda vindoura, e dava-lhe alguma coisa sexualmente atrativa, como uma mulher desesperada para quem o tempo está passando enquanto ela continua sentada em um bar cheio de homens. Hester tinha olhado ao redor, visto poucos sinais de ajuda vindos dos homens americanos e entrou em um avião para a América do Sul. Entrou na selva com sua câmera, sua máquina de escrever portátil, seus tornozelos que estão engrossando, sua pele branca e arranjou para si um canibal, um canibal negro: Maja Thurup. Maja Thurup tinha uma cara com um bom aspecto. Seu rosto parecia estar marcado por mil ressacas e mil tragédias. E era verdade: passara por mil ressacas, mas todas as tragédias tinham a mesma origem: Maja Thurup tinha o pau maior do que a média, muito maior do que a média. Nenhuma garota na aldeia o aceitava. Tinha provocado a morte de duas garotas com seu instrumento. Uma tinha sido penetrada pela frente e a outra por trás. Não fazia diferença.
Maja era um homem solitário que bebia e pensava em sua solidão até que Hester Adams chegou com um guia e sua pele branca e uma câmera. Depois das apresentações formais e algumas bebidas perto do fogo, Hester tinha entrado na cabana de Maja e aguentado tudo o que Maja Thurup podia meter e ainda pediu por mais. Era um milagre para ambos, e os dois se casaram em uma cerimônia tribal de três dias, durante a qual homens capturados de tribos inimigas eram assados e comidos em meio a danças, encantamentos e embriaguez. Foi depois da cerimônia, depois que as ressacas passaram, que os problemas começaram. O pajé, notando que Hester não partilhara da carne assada do homem da tribo inimiga (decorada com abacaxi, azeitona e nozes), anunciou para todos que não se tratava de uma deusa branca, mas uma das filhas de um deus mau chamado Ritikan. (Séculos atrás, Ritikan tinha sido expulso do céu tribal por se recusar a comer qualquer coisa além de vegetais, frutas e nozes.) O anúncio causou dissensão na tribo, e dois amigos de Maja Thurup foram imediatamente assassinados por terem sugerido que a habilidade de Hester de lidar com todo o tamanho do pau de Maja era em si um milagre e o fato de que ela não ingeria outras formas de carne humana poderia ser perdoado, pelo menos temporariamente.
Hester e Maja fugiram para a América, para North Hollywood para ser mais preciso, onde Hester deu início aos procedimentos para tornar Maja Thurup um cidadão americano. Sendo uma antiga professora de colégio, Hester começou a instruir Maja no uso de roupas e da língua inglesa, a beber cervejas e vinhos da Califórnia, a assistir à televisão e a se alimentar de comidas compradas no Safety Market mais próximo. Maja não apenas via televisão, mas também aparecia nela com Hester, e eles declararam seu amor publicamente. Então voltaram para seu apartamento em North Hollywood e fizeram amor. Depois Maja sentou no meio do tapete com seus livros de gramática inglesa, bebendo cerveja e vinho e cantando cantos nativos e tocando bongô. Hester trabalhava em seu livro sobre Maja e Hester. Uma grande editora estava esperando. Tudo que Hester precisava fazer era escrever.
Certa manhã, eu estava na cama lá pelas oito horas. No dia anterior eu perdera quarenta dólares em Santa Anita, minhas economias na conta do California Federal estavam se tornando perigosamente baixas e eu não tinha escrito uma história decente em um mês. O telefone tocou. Levantei, pigarreei, tossi e atendi ao telefone.
Chinaski?
Sim?
Aqui é Dan Hudson.
Dan dirigia a revista Flare de Chicago. Ele pagava bem. Era o editor e o diretor.
Olá, Dan, nossa.
Olha, tenho algo para você.
Claro, Dan. O que é?
Quero que você entreviste uma puta que casou com um canibal. Torne o sexo GRANDE. Misture amor com horror, sabe?
Sei. Tenho feito isso minha vida toda.
Pago quinhentos dólares se conseguir entregar antes do prazo final, que é 27 de março.
Dan, por quinhentos dólares consigo fazer do Burt Reynolds uma lésbica.
Dan me passou o endereço e um número de telefone. Levantei, joguei água na cara, tomei dois Alka-Seltezrs, abri uma garrafa de cerveja e telefonei para Hester Adams. Contei-lhe que queria dar publicidade a sua relação com Maja Thurup como uma das maiores histórias de amor do século XX. Para os leitores da revista Flare. Afirmei-lhe que isso ajudaria Maja a obter sua cidadania americana. Ela concordou com a entrevista, e marcamos para a primeira hora da tarde.
Era um apartamento no terceiro andar de um prédio sem elevador. Ela abriu a porta. Maja estava sentado no chão, com seu bongô, bebendo uma garrafa de um vinho do Porto direto do gargalo. Estava descalço, vestia calças jeans apertadas e uma camiseta branca com listras pretas, zebrada. Hester estava vestindo uma roupa idêntica. Trouxe-me uma garrafa de cerveja, peguei um cigarro do maço na mesa de café e comecei a entrevista.
Quando você viu Maja pela primeira vez?
Hester me deu uma data. Também disse a hora com exatidão e o lugar.
Quando você começou a perceber os primeiros sentimentos de amor por Maja? Quais foram exatamente as circunstâncias que desencadearam a relação?
Bem – disse Hester –, foi quando...
Ela me ama quando eu meto o troço nela – disse Maja do tapete.
Ele aprendeu inglês muito rapidamente, não é mesmo?
Sim, ele é brilhante.
Maja pegou a garrafa e tomou um bom gole.
Meto o troço nela, ela dizer “Oh meu deus oh meu deus oh meu deus!” Rá, rá, rá, rá!
Maja tem um corpo fantástico – ela disse.
Ela engole também – disse Maja –, ela engole bem. Garganta profunda, rá, rá, rá!
Amei Maja desde o começo – disse Hester. – Foram seus olhos, seu rosto... tão trágico. E o jeito que ele caminhava. Ele caminha, bem, ele caminha meio que como um tigre.
Porra – disse Maja –, trepamos e esporreamos, porra, foda, porra. Estou ficando cansado.
Maja bebeu mais um pouco. Ele me olhou.
Você fode ela. Eu cansei. Ela grande túnel faminto.
Maja tem um senso de humor muito peculiar – disse Hester. – Isso foi outra coisa que me fez amá-lo ainda mais.
A única coisa que você gosta em mim – disse Maja – é o meu caralho poste telefônico.
Maja está bebendo desde a manhã – disse Hester –, você terá de perdoá-lo.
Talvez seja mais adequado que eu volte quando ele estiver melhor.
Acho que sim.
Hester marcou um novo horário comigo, duas da tarde do dia seguinte.
Tudo corria bem. Eu precisava de fotografias. Conhecia um fotógrafo totalmente arruinado, um tal de Sam Jacoby que era bom e cobraria barato. Levei-o até lá comigo. Era uma tarde ensolarada com apenas uma fina camada de poluição no ar. Subimos e toquei a campainha. Não houve resposta. Toquei a campainha mais uma vez. Maja abriu a porta.
Hester não está – ele disse. – Foi à loja de conveniências.
Tínhamos hora marcada para as duas da tarde em ponto. Gostaria de entrar e esperar.
Entramos e sentamos.
Mim tocar tambor para você – disse Maja.
Ele tocou o tambor e cantou alguns cantos da floresta. Ele era muito bom. Estava bebendo outra garrafa de vinho do Porto. Ainda estava vestindo sua camiseta listrada ao estilo zebra e seus jeans.
Foder, foder, foder – ele disse. – É só o que ela quer. Ela me deixa louco.
Sente falta da floresta, Maja?
Você não caga contra a corrente, paizinho.
Mas ela ama você, Maja.
Rá, rá, rá!
Maja fez outro solo no tambor. Mesmo bêbado ele era bom.
Quando Maja acabou, Sam me perguntou:
Você acha que ela pode ter uma cerveja na geladeira?
Pode ser.
Minha cabeça não está boa. Preciso de uma cerveja.
Vai lá. Traga duas. Depois compro mais para ela. Eu devia ter trazido algumas.
Sam levantou-se e foi até a cozinha. Ouvi a porta da geladeira se abrindo.
Estou escrevendo um artigo sobre você e Hester – disse para Maja.
Mulher buracão. Nunca enche. Como um vulcão.
Ouvi Sam vomitando na cozinha. Ele bebia muito. Sabia que estava de ressaca. Mas ainda assim era um dos melhores fotógrafos em atividade. Então tudo ficou quieto. Sam voltou caminhando. Sentou-se. Não trouxe a cerveja.
Eu tocar tambor mais uma vez – disse Maja.
Ele tocou novamente. Ainda estava tocando bem. Embora não tão bem como da outra vez. O vinho estava pegando.
Vamos sair daqui – Sam me disse.
Tenho que esperar por Hester – respondi.
Cara, vamos embora – disse Sam.
Vocês querem um pouco de vinho? – Maja ofereceu.
Levantei e fui até a cozinha buscar uma cerveja. Sam me seguiu. Fui em direção à geladeira.
Por favor, não abra essa porta! – ele disse.
Sam caminhou até a pia e vomitou mais uma vez. Olhei para a porta da geladeira. Não a abri. Quando Sam acabou, eu disse:
Tudo bem. Vamos embora.
Caminhamos até a sala da frente, onde Maja ainda estava sentado tocando seu bongô.
Eu tocar tambor mais uma vez – ele disse.
Não, obrigado, Maja.
Saímos e descemos a escada e ganhamos a rua. Entramos no meu carro. Dei a partida e arranquei. Não sabia o que dizer. Sam não disse nada. Estávamos no bairro comercial. Dirigi até um posto de gasolina e disse ao frentista para encher o tanque com gasolina comum. Sam saiu do carro e foi até um telefone público para ligar para a polícia. Vi Sam sair da cabine telefônica. Paguei pela gasolina. Não consegui minha entrevista. Fiquei sem os meus quinhentos dólares. Esperei enquanto Sam voltava para o carro.

Charles Bukowski, in Ao sul de lugar nenhum

Epígrafes




        A primeira epígrafe deste livro seria “O que poderia ter sido também é um fato”. Mas fiquei com dúvidas. Em primeiro lugar, porque sou a autora. O autor do livro pode ser o autor da epígrafe? Em segundo lugar, porque hesitei sobre a palavra “fato”, que me soa inadequada. Pensei em dizer: “O que poderia ter sido também foi”. “Fato” é mais forte, mas o problema é que é uma palavra — justamente — factual demais. Entretanto, a segunda opção não transmite com a devida ênfase a radicalidade da ideia. Decidi então, sem o escrúpulo de ser a autora e sem medo da palavra “fato”, por:
O que poderia ter sido também é um fato.

A segunda epígrafe também me deixou hesitante. Li, em um ensaio de Jacques Derrida intitulado “Donner la Mort”, uma reflexão sobre a beleza de se viver experiências “indefinidamente pela primeira vez”. Gostei mais da formulação do que necessariamente da ideia e gostaria de escrever, como epígrafe, somente isto: “indefinidamente pela primeira vez”.
Mas, relendo, a frase fica vaga demais, não remete à noção de viver tudo de forma inaugural, e, ademais, uma epígrafe de Jacques Derrida me pareceu pedante, inadequada para um livro como este. Decidi então manter somente a frase, ainda que vaga:
Indefinidamente pela primeira vez.

A terceira epígrafe, por fim, novamente me confundiu. Há muitos anos admiro a frase “O dever do cavalo é botar um ovo” que, por alguma razão desconhecida, sempre atribuí a Gertrude Stein. Agora, no momento de usá-la como epígrafe, fui pesquisar onde a autora teria dito isso, virei e revirei e descobri que não. Ela não disse essa frase. Seria mais uma frase de minha autoria que eu teria — compreensivelmente — atribuído a ela? Não penso ser eu a autora, pois não me lembro de tê-la criado e não acho que ela combine com meu estilo. Mas não consigo descobrir seu autor. Pode ser que seja mesmo eu, pode ser que não. Mas decidi mantê-la:
O dever do cavalo é botar um ovo.

Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou

Salvo Se

         Ganhou o apelido de Salvo Se porque, ao ser convidado para qualquer coisa, respondia invariavelmente:
Topo, salvo se fizer mau tempo.
A meteorologia anunciou bom tempo, não há perigo.
Então ótimo, salvo se eu quebrar uma perna.
Afasta esse azar, não vai quebrar perna nenhuma.
É o que espero, salvo se houver um buraco no caminho.
E assim por diante. Gostava de abacate, salvo se aparecesse laranja-lima. Viajaria para Maceió, salvo se desistisse à última hora. No fim de certo tempo, já não prometia nem planejava nada. Era tudo salvo se, e o salvo se acabou por impedi-lo de qualquer gesto. Explicava:
Não posso desistir do salvo se, salvo se deixasse de existir salvo se na vida.

Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

Abafar

             Abafar (Fazer sucesso).
O sucesso sempre existiu. Quem não se lembra dos olhos azuis de Frank Sinatra, do olhar sedutor de James Dean ou da beleza de Brigitte Bardot em E Deus criou a mulher? Sem contar o charme de Gary Cooper em Matar ou morrer. Quanto sucesso! Fazer sucesso era abafar. Músicas faziam sucesso e os cantores abafavam. Cely Campello com “Estúpido cupido” e Roberto Carlos com “Quero que vá tudo pro inferno”. Imagine quanto Cauby Peixoto não abafava ao subir no palco cantando “Conceição”. Abafar era entrar no salão e todo mundo olhar, cochichar, suspirar. Sandra Borges da Costa, por exemplo, era uma garota que abafava em todas as festas que promovia na mansão do pai, Osvaldo, na Belo Horizonte da década de 1960. As primeiras garotas que ousaram aparecer de duas peças na praia de Copacabana também abafaram!
Hoje, ABAFAR É ARRASAR.

Alberto Villas, in Pequeno dicionário brasileiro da língua morta

Morte do compositor

Era uma cidade antiga e pequena onde havia as coisas que todas as cidades antigas e pequenas tinham: casas brancas de taipa, janelas e portas de madeira grossa, galinhas e cabras andando pelas ruas, os fogões de lenha acesos o dia inteiro, café com queijo e biscoito de polvilho pelo meio da tarde e cadeiras de vime na calçada ao cair da tarde. E havia também uma banda de música que era a alegria da molecada quando passava e fazia retretas no coreto nas noites de domingo. Vivia também nessa cidade um músico compositor que alimentava a banda com as suas composições. Relata-se que suas composições tiveram um destino inglório. Morto o maestro e não sabendo que destino dar-lhes, a família decidiu deixá-las guardadas no porão. Aconteceu, entretanto, que por descuido de alguém a porta do porão ficou aberta. Um cabrito, passando por ali e vendo a porta aberta, resolveu entrar para ver o que havia dentro do porão. Qual não foi a sua surpresa quando se viu diante daquela refeição deliciosa formada pelas partituras do compositor, que ele devorou inteiras. Conta-se que esse mesmo compositor estava na cama, vivendo seus últimos momentos de vida, toda a família reunida ao seu redor esperando suas últimas palavras e o desfecho. Nesse momento, a banda veio marchando e tocando pela rua do maestro. Foi então que ele, quando a banda passou defronte a sua casa, sofreu um estremeção, seu rosto se contorceu aflito e ele fez menção de que desejava falar. Todos se aproximaram, levantaram-no do travesseiro para que falasse com mais facilidade. E foi isto que ele falou: ”A clarineta desafinou o si bemol...”. E morreu.

Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

A boa sorte de Babette

         O dia 15 de dezembro teria sido o centésimo aniversário do deão. Suas filhas havia muito ansiavam por esse dia e desejavam celebrá-lo, como se seu estimado pai estivesse ainda entre os discípulos. Assim, foi triste e incompreensível que naquele ano a discórdia e a dissensão houvessem surgido entre o rebanho. Envidaram esforços para obter paz, mas estavam cientes de que haviam fracassado. Era como se o admirável e afetuoso vigor da personalidade de seu pai tivesse evaporado, assim como o analgésico de Hoffmann se deixado na prateleira numa garrafa sem rolha. E sua partida deixara a porta entreaberta para coisas até então desconhecidas das duas irmãs, muito mais jovens do que os filhos espirituais de seu pai. De um passado meio século distante, quando as ovelhas sem pastor haviam se extraviado pelas montanhas, hóspedes sinistros, nos calcanhares dos devotos, aproveitaram a brecha para penetrar sem serem convidados e lançaram sobre os pequenos cômodos frio e escuridão. Pecados dos velhos irmãos e irmãs vieram à tona com um remorso tardio e excruciante como dor de dente, e pecados de outros contra eles com o ressentimento amargo do sangue envenenado.
Havia na congregação duas velhas senhoras que antes da conversão haviam se difamado mutuamente, tendo assim arruinado os respectivos casamentos e uma herança. Agora, eram incapazes de se lembrar de acontecimentos do dia anterior ou de uma semana antes, mas não esqueciam esse agravo de quarenta anos no passado e continuavam a remoer antigas histórias, rosnando uma para a outra. Havia um velho irmão que subitamente se lembrou de como outro irmão, quarenta e cinco anos antes, o tapeara num negócio; talvez houvesse desejado apagar o assunto de sua mente, mas aquilo permanecia cravado ali como uma ferida purulenta. Havia um velho e honrado comandante de navio e uma viúva enrugada e devota que, na juventude, quando ela era esposa de outro homem, haviam sido amantes. Ultimamente, ambos começaram a se afligir, enquanto tiravam o fardo da culpa dos próprios ombros e o jogavam um sobre o outro, para depois assumi-lo novamente, preocupando-se com as possíveis consequências terríveis, por toda a eternidade, para si mesmos, provocadas pela pessoa que no passado jurararam amar. Ficavam muito pálidos durante as reuniões na casa amarela e evitavam o olhar um do outro.
À medida que a comemoração se aproximava, Martine e Philippa sentiam cada vez mais o peso da responsabilidade. Iria o pai que sempre lhes fora fiel olhar para as filhas lá de cima e considerá-las anfitriãs injustas? Discutiam bastante o assunto entre si e repetiam as palavras de seu pai: que os caminhos do Senhor correm até pelo mar salgado e pelas montanhas cobertas de neve, onde o olhar do homem não enxerga nenhum rastro.
Certo dia, nesse verão, o correio trouxe uma carta da França para Madame Babette Hersant. Era uma coisa em si mesma surpreendente, pois ao longo de doze anos Babette jamais recebera carta alguma. As senhoras perguntavam-se o que poderia ela conter. Levaram-na à cozinha para vê-la abrir e ler a carta. Babette a abriu, leu, ergueu os olhos do papel para o rosto das duas mulheres e disse-lhes que saíra seu número na loteria francesa. Ela havia ganho dez mil francos.
A notícia causou tal impressão nas duas irmãs que ao longo de todo um minuto foram incapazes de dizer palavra. Elas mesmas estavam acostumadas a receber sua pensão modesta em pequenas parcelas; era-lhes difícil até imaginar a quantia de dez mil francos de uma vez. Então apertaram a mão de Babette, suas próprias mãos ligeiramente trêmulas. Nunca haviam apertado a mão de uma pessoa que um minuto antes entrara em posse de dez mil francos.
Após alguns instantes, deram-se conta de que aquele acontecimento dizia respeito tanto a elas quanto a Babette. A nação francesa, sentiam, assomava lentamente no horizonte da criada e, de modo correspondente, a própria existência delas afundava-lhes sob os pés. Os dez mil francos que a tornaram rica… quão pobre não tornaram a casa na qual servira! Uma a uma, antigas ansiedades e preocupações esquecidas começaram a botar as cabecinhas para fora e espiá-las dos quatro cantos da cozinha. As felicitações morriam em seus lábios e as duas senhoras devotas envergonhavam-se do próprio silêncio.
Ao longo dos dias seguintes, anunciaram a notícia para os amigos com alegria estampada no rosto, mas fazia-lhes bem ver o rosto desses amigos ganhar uma expressão triste à medida que a escutavam. Ninguém – era o sentimento geral da irmandade – podia realmente pôr a culpa em Babette: pássaros regressam a seus ninhos e seres humanos ao país onde nasceram. Mas será que a boa e fiel criada se dava conta de que partindo de Berlevaag estaria deixando tanta gente velha e pobre mergulhada em aflição? Suas caras irmãzinhas não teriam mais tempo para os enfermos e desvalidos. Sem sombra de dúvida, loterias eram uma coisa blasfema.
No devido tempo, o dinheiro chegou por escritórios de Cristiânia e Berlevaag. As duas senhoras ajudaram Babette a contá-lo e deram-lhe uma caixa para guardá-lo. Manusearam e ganharam familiaridade com os agourentos maços de papel.
Não ousavam perguntar a Babette sobre a data de sua partida. Ousariam esperar que permanecesse com elas até o dia 15 de dezembro?
As donas da casa nunca sabiam muito bem até que ponto a cozinheira acompanhava ou compreendia suas conversas particulares. Assim, ficaram surpresas quando, numa noite de setembro, Babette entrou na sala de visitas, mais humilde ou submissa do que jamais a viram, para pedir um favor. Rogava, disse, que a deixassem preparar um jantar de comemoração para o aniversário do deão.
Não fora intenção das senhoras que houvesse jantar algum. Uma ceia muito simples com uma xícara de café era a refeição mais suntuosa à qual já haviam levado qualquer convidado a sentar. Mas os olhos negros de Babette eram ansiosos e suplicantes como os de um cachorro; concordaram em que fizesse as coisas do seu jeito. Ao ouvir isso, o rosto da cozinheira se iluminou.
Mas tinha mais a dizer. Queria, disse, fazer um jantar francês, um autêntico jantar francês, dessa única vez. Martine e Philippa olharam uma para a outra. Não gostaram da ideia; pressentiam que não sabiam o que aquilo poderia implicar. Mas a própria estranheza do pedido as desarmou. Não tiveram argumentos com que fazer frente à proposta de preparar um autêntico jantar francês. Babette soltou um profundo suspiro de felicidade, mas continuou imóvel. Tinha ainda uma prece a fazer. Rogava às donas da casa que lhe permitissem pagar o jantar francês com o próprio dinheiro.
Não, Babette!”, exclamaram as senhoras. Como podia imaginar uma coisa dessas? Acreditava ela que lhe permitiriam gastar seu precioso dinheiro com comida e bebida… ou com elas? Não, Babette, de jeito nenhum.
Babette deu um passo à frente. Havia algo de formidável nesse movimento, como uma onda se avolumando. Teria ela arremetido dessa forma, em 1871, para fincar uma bandeira vermelha numa barricada? Falou, em seu esquisito norueguês, com a clássica eloquência francesa. Sua voz era como uma canção.
Senhoras! Alguma vez, nesses doze anos, pedira algum favor? Não! E por que não? As senhoras, que elevam suas preces todos os dias, conseguem imaginar o que significa para um coração humano não ter prece alguma a fazer? Para o que Babette oraria? Nada! Esta noite, tinha uma prece a fazer, do fundo de seu coração. Não sentem esta noite, minhas senhoras, ser sua incumbência condescender-lhe com a mesma alegria com que o bom Deus tem condescendido a elas?
As mulheres, por um minuto, nada disseram. Babette tinha razão; era a primeira coisa que pedia em doze anos; muito provavelmente seria a última. Refletiram um pouco. Afinal, disseram a si mesmas, a cozinha deles era melhor que a delas e um jantar não faria diferença para uma pessoa que possuía dez mil francos.
Seu consentimento enfim mudou Babette completamente. Perceberam que na juventude fora uma linda mulher. E ficaram imaginando se nessa hora elas próprias não haviam, pela primeira vez, se tornado para ela a “boa gente” da carta de Achille Papin.

Karen Blixen, in A festa de Babette

Alquimia e farmácia

           Certo dia, o califa Alma’mún disse ao alquimista Yúçuf:
Ai de ti, Yúçuf! A alquimia não serve para nada!
Ele respondeu:
Serve sim, ó comandante dos crentes! O problema é que a desgraça da alquimia é a farmácia.
O califa perguntou:
Ai de ti! E como é isso?
Yúçuf respondeu:
Quando se pede alguma coisa aos farmacêuticos, eles afirmam que a têm, mesmo que não tenham, e empurram qualquer outra coisa de que disponham dizendo: “Eis aqui o que você pediu”. Se o comandante dos crentes quiser, poderá criar um nome qualquer e mandar pessoas a vários farmacêuticos para comprá-lo.
O califa respondeu:
Já forjei um nome, saqtitha.
Saqtitha é o nome de um vilarejo desconhecido nas cercanias de Bagdá. Alma’mún mandou um grupo de emissários à procura de saqtitha junto a vários farmacêuticos. Todos eles afirmaram possuir o produto e, cobrando o preço dos emissários, entregavam-lhes algo de que dispunham em seus estabelecimentos. Os emissários retornaram ao califa carregando coisas tão diversas entre si como sementes, pedaços de pedra e pelos.

Mamede Mustafa Jarouche, in Histórias para ler sem pressa

Azul sobre amarelo, maravilha e roxo

Desejo, como quem sente fome ou sede,
um caminho de areia margeado de boninas,
onde só cabem a bicicleta e seu dono.
Desejo, como uma funda saudade
de homem ficado órfão pequenino,
um regaço e o acalanto, a amorosa tenaz de uns dedos
para um forte carinho em minha nuca.
Brotam os matinhos depois da chuva,
brotam os desejos do corpo.
Na alma, o querer de um mundo tão pequeno,
como o que tem nas mãos o Menino Jesus de Praga.

Adélia Prado

Claro e lógico

Enquanto a autoridade inspirar temor reverencial, a confusão e o absurdo irão consolidar as tendências conservadoras da sociedade. Primeiramente, porque o pensamento claro e lógico conduz à acumulação de conhecimentos (cujo melhor exemplo é fornecido pelo progresso das ciências naturais), e o avanço do conhecimento cedo ou tarde solapa a ordem tradicional. Pensamento confuso, por outro lado, leva a lugar nenhum e pode ser tolerado indefinidamente sem produzir nenhum impacto no mundo.

Stanislav Andreski, in Social Sciences as Sorcery

Finalmente, era um tropeiro

        Mesmo dentro do quarto dos empregados, João Fôia podia sentir a presença da coruja que descansava na corticeira ao lado do galpão. Escutava seus pios e ficava ainda mais inquieto. Era sempre assim em dia de tropeada. Deve ser bobagem da minha cabeça, pensou. Soltou um longo suspiro e levantou da sua cama no alojamento dos peões da Estância da Província.
João vestiu as bombachas e calçou as botas. Era pesado, mas não de todo gordo. Tinha cabelos volumosos e barba rebelde e falha. Coçou a cicatriz no rosto e afivelou sua rastra, tentando fazer pouco barulho para não acordar os que ainda conseguiam dormir. Colocou o chapéu sobre a cabeça.
Sentiu aquele cheiro nauseabundo e olhou para os homens espalhados pelo recinto. A maioria deles vivia há muitos anos por ali e nem conhecia outra forma de vida. Trabalhavam de sol a sol. Poucos eram os que subiam na hierarquia das estâncias, virando sota-capataz, capataz ou posteiro. A maioria continuava como peão a vida inteira. Dividiam os mesmos quartos, as mesmas angústias, e não tinham praticamente nada que pudessem chamar de seu. No inverno, aqueles que não tinham abrigo encarangavam de frio. Poucos reclamavam.
João Fôia tinha pena, achava-os um bando de coitados e miseráveis. Mas eles mesmos nem tinham noção disso. Eram, a seu modo, felizes e devotos aos patrões que lhe davam teto, comida e um pouco de dinheiro. Ontem mesmo, achara graça da alegria do mulato Anastácio quando o seu Herculano, capataz, entrou no galpão perto da hora da janta e lhe entregou um poncho, um pelego e um quarto de ovelha. O empregado não entendeu o que se passava, e o outro explicou a situação: o patrão mandava aqueles regalos quando o peão completava um ano de casa. Surpreso com o acontecido, Anastácio agradeceu e assou a carne pra peonada. Não pôde se estender na comemoração, pois cedo seguiriam viagem.
Não eram nem cinco horas da manhã quando João Fôia deixou o quarto cheio de gente. Desviou os olhos da árvore em que a coruja piava. Depois, entrou na cozinha dos homens, deu “buenos dias” e preparou seu mate. Alguns peões já aprontavam suas coisas, engraxavam seus arreamentos com sebo e se preparavam para a jornada.
Estavam todos inquietos, pensativos e com olhares soturnos. Herculano olhou de modo desconfiado para o João. Ninguém entendia aquela sua mania de andar, seja noite ou dia, com seu chapelão de feltro negro e aba larga, enfiado na cabeça melenuda.
Pegou sua cuia e foi yerbear ao ar livre. Logo mais fariam uma grande tropeada. Levariam trezentas cabeças de gado até uma charqueada distante umas quantas léguas. Não tinha bons pressentimentos.
Na noite anterior, bebeu mais do que devia na festa do Anastácio e, quando já ia se recolher, escutou a vaca do leite, que havia entrado sozinha na mangueira, a mugir tristemente. Curioso, João resolveu averiguar o que estava acontecendo e foi se aproximando, forçando os olhos embaçados para enxergar na escuridão. Naquele momento, ele viu uma muçurana mamando no ubre da vaca. Diós mio , fez um sinal da cruz, mais por costume do que por devoção, e saiu apressado, querendo esquecer do acontecido.
Sabia que ver cobra que toma leite na teta era um mau agouro. Não comentou com ninguém, mas ficou preocupado. Roncou a cuia do mate e puxou a faca presa na rastra de couro cru e se pôs a picar o fumo, taciturno.
O capataz Herculano saiu da cozinha dos homens e já foi convocando:
Quem tem poncho vai, quem não tem poncho vai também!
A tropeada teria início.
O gado, que passara a noite encerrado, mugia impaciente. De pouco em pouco, os peões começaram a conduzir os animais a passos lentos rumo à charqueada. Seria quase um mês de chão.
Quando o sol despontou no horizonte, a tropa já estava cruzando as fronteiras da Estância da Província. Os peões conduziam o gado de forma lenta e calma. Herculano ficava na culatra, a observar e zelar pelos animais. Não podiam apurar o passo, pois, se a tropa emagrecesse e chegasse suja de esterco, isso evidenciaria a falta de perícia dos tropeiros.
João Fôia estava montado em um cavalo zaino, com o pelo de um vermelho queimado, crinas negras e orelhas alertas. Nem mesmo o jeito corpulento, pesado, fazia com que ele tivesse menos destreza sobre o lombo do animal. Ele olhava atentamente o gado. Esperava pelo pior, mas não sabia exatamente o quê. Por cacoete, alisava o farto bigode negro e coçava o rosto de barba falhada.
A tropeada era sempre uma lida difícil. Passavam aproximadamente quinze horas por dia sobre o lombo dos cavalos. Dormiam pouco e descansavam menos ainda. Nesse primeiro dia, conduziram os animais até a hora do almoço, pois não prestava tropear no sol alto, judiando a tropa. Depois da breve parada, subiram nos cavalos e tocaram o lote calmamente.
Com o passar dos dias, os animais ficavam tensos. E a canseira começava a bater no lombo dos homens, que corriam o risco de ficarem desatentos. A grande ameaça sempre fora o estouro da tropa. Não podiam se distrair, pois isso resultaria em trabalho dobrado e perigoso, podendo até mesmo acontecer algum acidente fatal.
Os primeiros dias de viagem transcorreram dentro da normalidade. Mas, no quarto dia de tropeada, os menos acostumados já começavam a sofrer com as câimbras e o inchaço dos pés e das mãos.
João avistou, mais à sua esquerda, o jovem Anastácio, mulatinho novo, fazendo força para se manter concentrado. Com a cabeça pendendo do pescoço, bocejava e tentava se espichar, mudando a posição do corpo sobre os arreios, para aguentar a dor que sentia nos baixos. Era a primeira tropeada dele. João olhava-o e esboçava um sorriso. Lembrou de sua estreia como tropeiro, quando tinha pouco mais de treze anos.
Numa primavera, não muito diferente daquela, seu pai precisara levar o gado que estava no posto onde eles moravam para outro campo do patrão. Seriam no máximo oito dias de tropa. O pai dissera:
Vais comigo mais um peão da estância. Tens que ir pra aprender. Prepara tuas coisas que às três da manhã partimos.
João não pensou duas vezes e, em pouco tempo, já estava com o poncho emalado e a mala de garupa com algumas das precisões. Cedo da madrugada, partiram. Ele encilhava um petiço tobiano meio assustadiço e andava sempre ao lado do pai, ouvindo seus conselhos.
Guri, vamos levar esse gado pro melhor campo da estância. Dar uma última engordada nele, que logo mais o patrão já vende pra fazer os pilas. Quando eles já estão nesse estado, basta dá uma última forçada que ficam estourando de gordo.
João prestava atenção em tudo. Um dia, teria seu próprio posto. Ficava a imaginar o futuro: queria uma vida tranquila e simples como a do pai. A tropeada foi árdua. Quando finalmente abriram as porteiras do campo onde o gado ficaria, João não tinha mais forças: suas mãos tremiam, suas nádegas contraíam-se em câimbras violentas, e suas costas estavam duras. De tanta dor, mal conseguia mexer o pescoço. Os dedos das mãos, além de inchados, exibiam pequenos cortes, pois havia esquecido de engraxar as rédeas, e o couro cru endurecido estava afiado, fazendo de cada segundo uma pequena tortura.
Ao chegar de volta ao seu rancho, atirou-se do cavalo e saiu em direção à mãe, meio que se arrastando e bastante pálido.
O que é isso meu filho? — perguntou ela.
Não há de ser nada... — respondeu João.
O que se passou com ele? — perguntou a mulher ao marido.
Nada, mãe. Estou cansado, no más.
João olhou para o pai, que ainda estava sobre seu cavalo. O velho fez um aceno e sorriu para o filho. Ele foi para dentro de casa cheio de orgulho.
Agora, finalmente, era um tropeiro.

R. Tavares, in Andarilhos

Ao linotipista

         Desculpe eu estar errando tanto na máquina. Primeiro é porque minha mão direita foi queimada. Segundo, não sei por quê.
Agora um pedido: não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.
Escrever é uma maldição.

Clarice Lispector, in Todas as crônicas

Uma paixão não correspondida (trecho inicial)

 


Sempre tomei por certa a frase que se atribui a Oscar Wilde sobre um personagem de Balzac: “The death of Lucien de Rubempré is the great drama of my life” [A morte de Lucien de Rubempré é o grande drama da minha vida]. Um punhado de personagens literários marcou minha vida de maneira mais duradoura que boa parte dos seres de carne e osso que conheci. Embora seja verdade que quando personagens de ficção e seres humanos são presente, contato direto, a realidade destes últimos prevalece sobre a daqueles — nada tem tanta vida como o corpo que se pode ver, apalpar —, a diferença desaparece quando ambos voltam a ser passado, recordação, e com vantagem considerável para os primeiros sobre os segundos, cuja deliquescência na memória é irremediável, na medida em que o personagem literário pode ser ressuscitado indefinidamente, com o mínimo esforço de abrir as páginas do livro e deter-se nas linhas adequadas. Nesse círculo heterogêneo e cosmopolita, bando de fantasmas amigos que se renova segundo as épocas e o humor — hoje eu mencionaria de imediato D’Artagnan, David Copperfield, Jean Valjean, o príncipe Pierre Bezúkhov, Fabrice del Dongo, os terroristas Tchen e O Professor, Lena Grove e o condenado alto — ninguém mais persistente e com quem tenha tido uma relação mais claramente passional que Emma Bovary. Essa história pode contribuir, talvez, para ilustrar com um exemplo mínimo as relações tão discutidas e enigmáticas da literatura com a vida.
A primeira lembrança que tenho de Madame Bovary é cinematográfica. Era 1952, uma noite de verão ardente, um cinema recém-inaugurado na Plaza de Armas alvoroçada com palmeiras de Piura: aparecia James Mason encarnando Flaubert, Rodolphe Boulanger era o espigado Louis Jourdain e Emma Bovary ganhava forma nos gestos e movimentos nervosos de Jennifer Jones. O filme não deve ter deixado uma impressão forte porque não me incitou a procurar o livro, apesar de, exatamente nessa época, eu ter começado a ler de maneira empenhada e canibal.
Minha segunda lembrança é acadêmica. Por causa do centenário de Madame Bovary, a Universidade de San Marcos, de Lima, organizou uma homenagem na Aula Magna. O crítico André Coyné, impassível, punha em dúvida o realismo de Flaubert: seus argumentos desapareciam debaixo dos gritos de “Viva a Argélia Livre!” e o vociferar de uma centena de são-marquinos, armados com paus e pedras, que avançavam pelo salão na direção do estrado onde seu alvo, o embaixador francês, esperava, lívido. Parte da homenagem era a edição, em um folhetinho cujas letras saíam nos dedos, de Saint Julien l’Hospitalier, traduzido por Manuel Beltroy. Foi a primeira coisa que li de Flaubert.
No verão de 1959, cheguei a Paris com pouco dinheiro e a promessa de uma bolsa. Uma das primeiras coisas que fiz foi comprar, numa biblioteca do Quartier Latin, um exemplar de Madame Bovary na edição dos Clássicos Garnier. Comecei a ler nessa mesma tarde, num quartinho do hotel Wetter, nas imediações do Museu de Cluny. Aí começa de fato a minha história. Desde as primeiras linhas, o poder de persuasão do livro agiu sobre mim de maneira fulminante, como um feitiço poderosíssimo. Fazia anos que nenhum romance vampirizava tão rapidamente minha atenção, abolia assim o entorno físico e me submergia tão profundamente em seu mundo. À medida que avançava a tarde, caía a noite, apontava o alvorecer, era mais eficiente o transbordamento mágico, a substituição do mundo real pelo fictício. Era já de manhã — Emma e Léon tinham acabado de se encontrar em um palco da ópera de Rouen — quando, aturdido, deixei o livro e me dispus a dormir: no difícil sono matutino continuavam existindo, com a veracidade da leitura, a granja dos Rouault, as ruas enlameadas de Tostes, a figura bonachona e burra de Charles, o maciço pedantismo rio-platense de Homais e, por cima dessas pessoas e lugares, como uma imagem pressentida em mil sonhos de infância, adivinhada desde as primeiras leituras adolescentes, o rosto de Emma Bovary. Quando acordei, para retomar a leitura, é impossível que não tenha tido duas certezas como dois relâmpagos: que já sabia o escritor que eu gostaria de ser e que desde então e até a morte viveria apaixonado por Emma Bovary. Ela seria para mim, no futuro, assim como para o Léon Dupuis dos primeiros tempos, “l’amoureuse de tous les romans, l’héroïne de tous les drames, le vague elle de tous les volumes de vers” [a apaixonada de todos os romances, a heroína de todos os dramas, a vaga ela de todos os volumes de versos].
Desde então, li o romance talvez seis vezes do começo ao fim e reli capítulos e episódios soltos em muitas ocasiões. Nunca tive uma desilusão, diferente do que me ocorreu ao repassar outras histórias queridas; ao contrário, sobretudo relendo os ápices — as reuniões agrícolas, o passeio de fiacre, a morte de Emma —, sempre tive a sensação de descobrir aspectos secretos, detalhes inéditos, e a emoção foi idêntica, com variações de grau que tinham a ver com a circunstância e o lugar.
Um livro se transforma em parte da vida de uma pessoa por uma porção de razões que têm a ver ao mesmo tempo com o livro e a pessoa. Gostaria de averiguar quais são, no meu caso, algumas dessas razões: por que Madame Bovary remexeu camadas tão profundas do meu ser, por que me deu o que outras histórias não conseguiram me dar.
A primeira razão é, seguramente, essa propensão que me fez preferir, desde menino, as obras construídas com uma ordem rigorosa e simétrica, com princípio e fim, que se fecham sobre si mesmas e dão a impressão de soberania e acabamento, mais do que aquelas, abertas, que deliberadamente sugerem o indeterminado, o vago, o que está em processo, meio por fazer. É possível que estas últimas sejam imagens mais fiéis da realidade e da vida, inacabadas para sempre e sempre meio por fazer, mas justamente o que busquei, sem dúvida, por instinto, e que gosto de encontrar nos livros, nos filmes, nos quadros, não foi um reflexo dessa parcialidade infinita, desse incomensurável fluir, mas, sim, o contrário: totalizações, conjuntos que, graças a uma estrutura audaz, arbitrária mas convincente, dessem a ilusão de sintetizar o real, de resumir a vida. Esse apetite deve ter se sentido plenamente satisfeito com Madame Bovary, exemplo de obra fechada, de livro-círculo. Por outro lado, uma preferência até então nebulosa, mas crescente em minhas leituras, acabou fixada graças a esse romance. Entre a descrição da vida objetiva e da vida subjetiva, da ação e da reflexão, me seduz mais a primeira que a segunda, e sempre me pareceu uma façanha maior a descrição da segunda através da primeira do que o inverso (prefiro Tolstói a Dostoiévski, a invenção realista à fantástica, e entre irrealidades a que está mais próxima do concreto que do abstrato, por exemplo a pornografia à ficção científica, a literatura romântica aos contos de terror). Flaubert, em suas cartas a Louise, enquanto escrevia Madame Bovary, tinha certeza de estar fazendo um romance de “ideias”, não de ações. Isso levou algumas pessoas, que tomaram suas palavras ao pé da letra, a sustentar que Madame Bovary é um romance em que não acontece nada, a não ser a linguagem. Não é verdade; em Madame Bovary acontecem tantas coisas como num romance de aventuras — casamentos, adultérios, bailes, viagens, passeios, calotes, doenças, espetáculos, um suicídio —, só que se trata, no geral, de aventuras miúdas. Verdade que muitos desses fatos são narrados a partir da emoção ou da lembrança do personagem, mas, devido ao estilo maniacamente materialista de Flaubert, a realidade subjetiva em Madame Bovary tem tanta consistência e peso físico quanto a objetiva. Os pensamentos e sentimentos do romance parecem fatos , que se podem ver e quase tocar, e isso não só me deslumbrou como me revelou uma predileção profunda.
Estas são razões formais, derivadas da estrutura e da concepção do livro. As referentes ao assunto são menos invertebradas. Um romance é mais sedutor para mim na medida em que nele aparecem, combinados com perícia numa história compacta, a rebeldia, a violência, o melodrama e o sexo. Em outras palavras, a maior satisfação que um romance pode produzir em mim é provocar, ao longo da leitura, minha admiração por algum inconformismo, minha raiva por alguma bobagem ou injustiça, meu fascínio por essas situações de dramaticidade distorcida, de emocionalidade excessiva que o romantismo pareceu inventar porque usou e abusou delas, mas que sempre existiram na literatura porque, sem dúvida, sempre existiram na realidade, e em meu desejo. Madame Bovary é pródigo nesses ingredientes, eles são os quatro grandes rios que banham sua vasta geografia, e na distribuição desses conteúdos existe no romance a mesma equidade que em sua divisão formal em partes, capítulos, cenas, diálogos e descrições.

Mario Vargas Llosa, in A orgia perpétua: Flaubert e Madame Bovary

Nossos gostos

          On simplifierait peut-être la critique si, avant d’énoncer un jugement, on déclarai ses goûts; car toute oeuvre d’art enferme une chose particulière tenant à la personne de l’artiste et qui fait, indépendamment de l’exécution, que nous sommes séduits ou irrités. Aussi notre admiration n’est-elle complète que pour les ouvrages satisfaisant à la fois notre tempérament et notre esprit. L’oubli de cette distinction préalable est une grande cause d’injustice.
[Ao enunciar um juízo, talvez pudéssemos simplificar a crítica se declarássemos nossos gostos; porque toda obra de arte encerra uma coisa particular à pessoa do artista e que faz, a despeito de sua execução, com que nos sintamos seduzidos ou irritados. Também nossa admiração não se completa senão por obras que satisfaçam ao mesmo tempo nosso temperamento e nosso espírito. Esquecer essa distinção preliminar é causa de uma grande injustiça.]

Prólogo de Dernières chansons, de Louis Bouilhet

Por uma vida menos gourmet

        Fim de ano, correria, 14h40, entrei na lanchonete, pedi um cheese bacon (“Ui, ela come cheese bacon, que moça indisciplinada”).
O garçom me perguntou se era com cheddar, queijo prato, emmental, brie ou queijo da Serra da Canastra. “Ahn… pode ser… prato.” E o pão? Quer no pão de hambúrguer tradicional, no nosso pão exclusivo de cereais, no pão com aroma de ervas ou no pão do chef, que é torrado com manteiga de alho e coberto com chia? “Normal, moço, pão normal.” Ok. Vai desejar nossa maionese especial com gengibre? Ou nosso ketchup de goiaba? Ou molho de mostarda de Dijon com mel de laranjeira?
Olha. Eu adoro comer bem. E acho a cozinha uma arte. Mas às vezes, só às vezes, a gente quer uma vida que não seja gourmet. Uma vidinha limitada a queijo, bacon, carne e pão – pura e simplesmente. Porque às vezes o gourmet não é bem-vindo e frequentemente o gourmet cansa.
Mas o grande problema foi que o conceito de gourmet não parou no circuito dos restaurantes. Ele se espalhou como uma praga por incontáveis setores da nossa vida. Na verdade, acho que o processo de gourmetização acabou por contaminar estabelecimentos comerciais, serviços, lares e – o pior – pessoas.
Outro dia cheguei a um churrasco dos amigos de sempre, gente que sempre foi normal. Como de costume, cada um levava o que fosse beber. Levei um bom e velho pack de cerveja. Fui abrir o isopor e dei de cara com um monte de suco de cranberry, de lichia, de maçã verde em cima do gelo, ao lado de uma vodca Grey Goose. Ah, cara, que preguiça, para com isso.
Não satisfeitos, resolveram gourmetizar as roupas. As peças ganharam nomes estranhos. Blusa de barriga de fora virou cropped . Encheram as Havaianas de strass (será que ainda pode falar strass? Acho que eu não usava essa palavra desde 2002). Enfiaram um GPS na sola do tênis. Meus amigos falam de roupa mencionando nomes de estilistas que seguem no Instagram. Não entendo mais nada.
Gourmetizaram os imóveis. Os anúncios das construtoras parecem críticas do Clodovil. “Apartamento tendência de charme com localização exclusiva no coração da Zona Sul, solário com projeto paisagístico de Vanderwalysson Salomão, piscina aquecida cromoterápica com cascata gourmet, espaço gourmet com exclusivo forno de pizza gourmet, varanda gourmet com grelha gourmet (churrasqueira não é gourmet) e porteiro gourmet 24h.” É tudo exclusivo, é tudo gourmet. Socorro.
Gourmetizaram a vida das crianças. No dia em que deparei com a papinha gourmet quase tive uma síncope. Fazem versões kids de roupas de adulto. De roupas carésimas de adultos. As festas de aniversário passaram a ter brigadeiro de chocolate belga em vez de ter brigadeiro rosa – fica a dica: crianças não gostam de chocolate belga. 
Gourmetizaram a barba. A barba, meu Deus! Nem a barba ficou de fora! A barba foi alisada, milimetricamente aparada, colocaram bálsamo de Aloe vera , silicone nas pontas, passaram a penteá-la a cada meia hora com perfume especial para barbas e a fazer um design exclusivo (“design exclusivo” é uma das piores expressões do universo) com uma cera para barbas vinda da Austrália, enriquecida com banha de canguru albino. 
Acho que a vida é muito curta para esperarmos pegarem um maçarico para caramelizar o açúcar que está em cima do chantilly que está em cima da camada de chocolate (belga, claro) que está em cima do mocaccino gourmet feito com café exclusivo cultivado em Ruanda, provavelmente por mão de obra escrava.
Eu quero uma vida menos gourmet. Quero que parem de me dar copo quando eu abro uma lata de cerveja, quero mais cadeira de plástico, quero Havaianas de tira normal, sola normal, preço normal, quero queijo coalho com fuligem, quero amigos que não analisem a marca do carro, o rótulo do vinho e a loja onde comprei minha calça, quero crianças com os pés sujos de brincar no quintal, quero um apartamento no qual bata sol, que tenha um valor de aluguel aceitável e vizinhos que não gritem muito. Não precisa ter varanda gourmet não.
Quero, talvez uma vez por mês ou a cada dois meses, uma noite gourmet. Prestar atenção nos sabores, me surpreender com a combinação de kiwi com carne de porco ou de agrião com banana-nanica. Fora isso, quero só dias felizes. E dizem por aí que não há felicidade maior do que precisar de pouco.

Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso

Exemplos

Quando desejares deleitar-te a ti mesmo, pensa nas boas qualidades dos que convivem contigo; por exemplo, a atividade de um, a modéstia de outro, a liberalidade de outro e outras qualidades de outros. Pois nada deleita mais que os exemplos das virtudes, quando elas se mostram na conduta dos que vivem conosco e se apresentam a nossos olhos no maior número possível. Por isso é preciso tê-las sempre à mão.

Marco Aurélio, in Meditações