Eu
sou um ladrão.
Como
é que o sujeito se torna um ladrão? A polícia sabe? Não, não
sabe. O advogado criminalista sabe? Não, não sabe. O psicólogo
sabe? Não, não sabe. O psiquiatra sabe? Não, não sabe. O
psicanalista sabe? Não, não sabe. (Dizem que psicanálise é um
método terapêutico criado pelo médico austríaco Sigmund Freud que
consiste na interpretação dos conteúdos inconscientes de palavras,
ações e produções imaginárias de uma pessoa, baseada nas livres
associações e na transferência. Mas esses putos também não sabem
por que o sujeito se torna um ladrão.)
Pobreza?
O sujeito se torna um ladrão porque é pobre? Que besteira, tem mais
ladrão rico do que ladrão pobre, está provado que quanto mais
dinheiro o sujeito tem mais dinheiro ele quer ter. Esses ladrões que
abundam no nosso governo — executivo, principalmente, legislativo e
judiciário — roubam sem parar anos seguidos, abrem contas em
paraísos fiscais, para eles, para os parentes e para as amantes,
principalmente para as amantes, ladrão rico tem amante, sempre.
Distúrbio
mental? Eu sou ladrão e não sou maluco, nem tenho qualquer
distúrbio mental. E que merda é exatamente isso de distúrbio
mental? Cada especialista acha que é uma coisa. Ou seja, é uma
porção de coisas. Esses especialistas não sabem porra nenhuma.
Quando eu era pequeno esses especialistas diziam que ovo fazia mal,
hoje eles mandam comer ovo todos os dias. Outro dia eu li uma
especialista dizendo que árvore não vale nada, não fornece nenhum
oxigênio para a atmosfera. Querem saber de uma coisa? Os
especialistas que se fodam.
Mas,
afinal, por que eu sou um ladrão?
Eu
poderia dizer: “Sou ladrão porque nunca tive família, nem pai nem
mãe nem ninguém.” Mas é mentira, tive pai, mãe, avô, avó,
tios, primos, parentes pra caralho.
Sou
ladrão porque meu pai era ladrão. Outra mentira, meu pai era um
sujeito muito honesto.
Eu
comecei como descuidista. O descuidista é quem se aproveita da
distração de outrem para roubá-lo. Ou seja, o sujeito teve um
descuido e se fodeu.
Depois
passei a ser ladrão. Mas só praticava furtos. No furto você se
apossa de algo que pertence a outrem usando a esperteza.
Até
aí tudo bem. Então passei a praticar roubos. No roubo você comete
violência física ou material. Comecei arrombando casas vazias,
violência material. Depois casas ocupadas, ameaçando os moradores
ou dando um tiro na perna do filho da puta para ele me dizer onde
estavam o dinheiro ou as joias.
Essa
progressão é natural: descuido, furto, roubo.
Tudo
isso é conversa mole para boi dormir. Por que me tornei um ladrão?
Eu
me tornei um ladrão porque sou corajoso e me recusei a ter um
empreguinho de merda, como a maioria dos covardes. Eu era porteiro de
um prédio e ficava abrindo a porta do elevador e depois a porta da
rua, dizendo bom dia doutor, fosse qual fosse o filho da puta que
estivesse entrando ou saindo do prédio. Um dia pensei: quero que
esses caras vão todos para a puta que os pariu. Sendo pobre, feio,
tendo apenas o curso primário feito em uma escola pública de merda
que passava todo mundo de ano, até os analfabetos — era uma forma
daqueles professores filhos da puta mostrarem serviço —, o que eu
podia ser?
Ladrão,
é claro.
Vivo
melhor. Como melhor, durmo melhor. Olha aqui, meu chapa: larga esse
emprego de merda e vai ser ladrão, deixa de ser otário.
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
Nenhum comentário:
Postar um comentário