quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Recomece



Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar...
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.

Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar...
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.

Quando a estrada for longa
e seu corpo fraquejar,
quando não houver caminho
nem um lugar pra chegar...
É hora do recomeço.
Recomece a CAMINHAR.

Quando o mal for evidente
e o amor se ocultar,
quando o peito for vazio,
quando o abraço faltar...
É hora do recomeço.
Recomece a AMAR.

Quando você cair
e ninguém lhe aparar,
quando a força do que é ruim
conseguir lhe derrubar...
É hora do recomeço.
Recomece a LEVANTAR.

Quando a falta de esperança
decidir lhe açoitar,
se tudo que for real
for difícil suportar...
É hora do recomeço.
Recomece a SONHAR.

Enfim,
É preciso de um final
pra poder recomeçar,
como é preciso cair
pra poder se levantar.
Nem sempre engatar a ré
significa voltar.

Remarque aquele encontro,
reconquiste um amor,
reúna quem lhe quer bem,
reconforte um sofredor,
reanime quem tá triste
e reaprenda na dor.

Recomece, se refaça,
relembre o que foi bom,
reconstrua cada sonho,
redescubra algum dom,
reaprenda quando errar,
rebole quando dançar,
e se um dia, lá na frente,
a vida der uma ré,
recupere sua fé
e RECOMECE novamente.

Recomece” foi o poema que acabou se tornando meu “clássico”, por assim dizer. Muita gente pensa que ele surgiu por causa de algo que aconteceu na minha vida. Mas não foi bem assim. A origem desse poema é a seguinte: em julho de 2017, recebi a pauta do programa Encontro, para fazer um poema, e logo fiquei muito comovido com a história. Estaria presente uma menina chamada Laura Beatriz, que sete anos antes, em 2010, perdera vários familiares num deslizamento no morro do Bumba, em Niterói. Na noite da tragédia, ela fora entrevistada pela Fátima Bernardes, numa de suas últimas coberturas fora do estúdio, para o Jornal Nacional. E mesmo criancinha, aos 8 anos, a menina havia passado muita força.
Já estava tudo se desenhando para ser um programa emocionante, a história mexia com todo mundo. Foi uma responsabilidade muito grande para mim falar sobre aquele assunto, e Laura Beatriz foi a inspiração do meu poema. Busquei no YouTube pela matéria da época do deslizamento, parei e assisti. O que eu diria para aquela menina? Se eu estivesse vivendo aquilo, o que precisaria escutar? Fui movido por um sentimento de empatia. Todo dia é dia de recomeçar.
Comecei a escrever e no meio do poema me dei conta de que, ao falar para Laura Beatriz, no fundo estava falando para todo mundo, independentemente da dor ou do motivo do recomeço, alguns menores, outros tão devastadores. De alguma forma, todo mundo está sempre recomeçando.
Recomece” tocou muitas pessoas em momentos importantes de suas vidas. É um poema que eu mesmo leio para me sentir melhor. Eu me coloco no papel de leitor, esqueço até que fui eu que escrevi. Tem coisas que escrevo e parece que é alguém que está me dizendo, é como se eu nunca tivesse escrito aquilo. Às vezes causa um impacto em mim mesmo, como é o caso deste poema.
Recebi muitos depoimentos tocantes sobre “Recomece”, principalmente pelas redes sociais. Um senhor de Manaus, por exemplo, vendia pastéis na rua, num carrinho, mas, como não estava dando certo, desistiu e resolveu procurar emprego. Depois de 15 dias buscando, sem achar nenhuma oportunidade, ele estava no ônibus quando a esposa enviou, pelo celular, o vídeo com “Recomece”. No ônibus mesmo ele assistiu e algo mudou dentro dele. Quando voltou para casa, pegou o carrinho que estava na garagem, pintou de outra cor, pesquisou outras receitas de pastéis, mudou de lugar na cidade e... recomeçou. Sua mensagem terminava assim: “E deu certo, cabra!”
Uma moça de Santa Catarina escreveu contando que estava no consultório médico e tinha acabado de receber uma notícia devastadora, um diagnóstico de câncer. Ela estava saindo da sala com um sentimento de dor, despedida, derrota, desânimo. Mas, quando passou pela recepção, olhou para a televisão e eu ia começar a declamar “Recomece”. Então ela parou e assistiu ali mesmo, em pé.
Muita gente relatou coisas bonitas a respeito do que eu escrevo, mas o que essa moça falou foi a coisa mais linda que alguém já disse sobre o que eu faço: “Foi a oração mais bonita que eu já ouvi na vida.” Para ela foi uma oração, algo divino, espiritual. Quando abriu a segunda porta, para ir para casa, foi com um sentimento de renovação, como se tudo aquilo estivesse acontecendo na sua vida para que ela recomeçasse e recuperasse muita coisa que tinha perdido. E ela finaliza: “E deu certo.”
É claro que, quando escrevi “Recomece”, eu não tinha noção da existência dessas pessoas, muito menos de seus problemas. Mas é como se o destino, como se Deus tivesse colocado tudo para acontecer dessa forma. São as mesmas palavras, escritas pela mesma pessoa, ditas no mesmo momento, e a poesia pega dois casos tão distintos e de alguma forma abraça os dois, conforta, melhora, transforma.
Para mim, é uma grande felicidade ter tido a chance de escrever este poema e saber que ele chegou a tanta gente. Acho que, dos meus poemas, este foi o que mais ajudou as pessoas, o que mais serviu. Acredito que a minha missão é servir, e “Recomece” é um símbolo disso. E ele me ajuda também. Confesso que, quando está doendo em mim, eu também me abraço com esse poema.
Gosto de comparar a poesia a um abraço, que consegue fazer um carinho na alma sem nem saber qual é a dor que você está sentindo. A poesia se adapta à sua dor. É um abraço cego e despretensioso, como quem diz: “Venha! Tá doendo? Pois deixe eu dar um arrocho, que vai lhe fazer bem.”
Bráulio Bessa, in Poesia que transforma

Nenhum comentário:

Postar um comentário