Hoje
tive uma experiência mística. Eu vi um ovo. Sei que “Ivo viu um
ovo”, como diziam as cartilhas antigas. Cartilhas não mentem. Se
elas diziam que “Dedé deu o dedo à Diva”, é porque Dedé deu o
dedo para a Diva. Para que Dedé deu o dedo para Diva, isso elas não
dizem. E nem devo perguntar. Todo mundo viu um hoje. Mas o ovo que eu
vi, eu não vi. Vi outro. Escreveu a Adélia: “De vez em quando
Deus me castiga e me tira a poesia. Olho uma pedra e vejo uma
pedra...”. O Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra
que ele viu virou poema. Eu sempre olho um ovo e vejo um ovo. Hoje,
tocado pela poesia, vi o ovo e não vi o ovo. Quando vi o ovo fiquei
mais assombrado do que quando contemplo a Via Láctea. Porque um ovo,
se uma galinha se assenta sobre ele durante 21 dias, dele sai um
pintinho. Pobres dos meninos de hoje. Nunca contemplarão o milagre
dos ovos se abrindo... Mas a Via Láctea, se algum ser superior a
“chocar”, nenhum pintinho vai sair. Ou vai? Quem sabe a Terra é
o pintinho que saiu do ovo via Láctea chocado por milhões de anos
por uma Galinha Divina? Não sei. Tudo é mistério. Tudo é
possível. Viver é muito perigoso.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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