Como
em todos aqueles outros sonhos, eu estou com alguém que conheço mas
não sei como conheço e agora a pessoa de repente me mostra que eu
estou cego. Literalmente cego, sem visão etc. Ou então é na
presença dessa pessoa que eu de repente me dou conta de que estou
cego. O que acontece quando eu entendo isso é que eu fico triste. Me
deixa incrivelmente triste eu estar cego. A pessoa de alguma forma
sabe como eu fiquei triste e me avisa que chorar vai machucar meus
olhos de alguma forma e fazer a cegueira ficar ainda pior, mas eu não
consigo evitar. Sento e começo a chorar muito mesmo. Acordo chorando
na cama e chorando tanto que não consigo enxergar nada nem
distinguir nada, nada. Isso me faz chorar ainda mais. Minha namorada
fica preocupada, acorda, me pergunta o que foi, e passa um minuto ou
mais antes de eu entender pelo menos que estava sonhando e que estou
acordado e que não estou cego de verdade mas só chorando sem
nenhuma razão, daí conto o sonho para a minha namorada e faço ela
entender. Aí o dia inteiro no trabalho estou incrivelmente
consciente da minha visão, dos meus olhos e de como é bom ser capaz
de ver cores, a cara das pessoas e saber exatamente onde eu estou e
como isso tudo é frágil, o mecanismo do olho humano e a capacidade
de ver, como se pode perder isso com facilidade, como estou sempre
vendo gente cega por aí com suas bengalas e caras estranhas e fico
sempre pensando que seria interessante passar uns segundos olhando
para elas e nunca pensando que elas têm nada a ver comigo ou com os
meus olhos e agora é apenas uma coincidência uma sorte eu enxergar
em vez de ser um daqueles cegos que vejo no metrô. E o dia inteiro
no trabalho cada vez que essa história me volta começo a lacrimejar
de novo, pronto para chorar e só não choro porque a divisão entre
os cubículos é baixa e todo mundo ia me ver, iam ficar preocupados
e o dia inteiro depois do sonho é assim, cansativo para danar e eu
bato o ponto cego e vou para casa, tão cansado, com tanto sono que
nem consigo abrir os olhos e quando chego em casa vou direto para a
cama e durmo sei lá às quatro da tarde e apago mais ou menos.
David
Foster Wallace,
in
Breves
entrevistas com homens hediondos
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