Quando
eu era pequeno minha mãe me levava à missa todos os domingos. Na
missa, acho que no fim, não me lembro bem, eu ia até a beira do
altar e o padre colocava uma hóstia na minha boca. Antes de chegar à
igreja — nós íamos a pé, a igreja ficava perto de casa — minha
mãe dizia várias vezes “você não pode morder a hóstia, você
não pode morder a hóstia, se morder a hóstia, quando morrer pode
ir para o inferno”, e enquanto dizia isso ela apertava o meu ombro
com força. Minha mãe era uma mulher grande, gorda. Ela era magra e
ficou gorda depois que o meu pai morreu. Eu ficava apavorado na hora
da hóstia, suava tanto que o suor pingava do meu nariz e molhava o
banco onde eu estava ajoelhado. Quando o padre colocava a hóstia na
minha língua, eu fechava a boca e tinha vontade de morrer. A hóstia
demorava muito tempo para derreter na minha boca, era um horror.
Meu
filho, dizia minha mãe, existem pessoas que discutem qual a melhor
maneira de receber a comunhão. Preste atenção, menino, a hóstia
tem que ser recebida na boca, na boca, e não na mão, como dizem
alguns hereges. Outra coisa, meu filho, precisamos ter cuidado com a
presença e a atividade das seitas satânicas. Elas praticam um
ritual de culto a Satanás, ao qual atribuem uma transcendência
mística, mas tudo não passa de magia negra. Cuidado, meu filho,
muito cuidado.
Na
verdade eu mal prestava atenção ao que ela dizia, pois não
entendia nem a metade.
E
quando minha mãe cismava de ir à igreja da Penha o meu pavor
aumentava.
Meu
filho, estamos no final de outubro. Temos que participar dos festejos
da padroeira da Penha. No domingo vamos à missa e para demonstrar o
nosso amor a Jesus vamos subir de joelhos os 365 degraus da escadaria
da igreja. Depois de assistirmos à missa e recebermos a hóstia nós
vamos comer os doces (minha mãe adorava comer doces) e os
salgadinhos das inúmeras barracas armadas no gramado em volta do
morro e ouvir os músicos tocando aquelas coisas lindas.
Até
hoje tenho os joelhos avariados por aquela subida. E minha mãe, para
conseguir subir aquelas centenas de degraus, na metade do trajeto
apoiava o peso no meu ombro. Era só uma vez por ano, mas o
suficiente para me deixar estropiado.
Minha
mãe ficou diabética. Fui com ela ao médico. Depois do exame de
sangue o médico disse que ela estava diabética, uma doença
metabólica, o exame constatara um alto nível de açúcar. A senhora
tem que tomar insulina, o remédio que estou lhe recomendando, de
acordo com esta prescrição. E tem que fazer uma dieta rigorosa, não
pode comer açúcar em nenhuma forma, sob o risco de sofrer doenças
cardiovasculares, doenças do fígado, úlceras nos pés... Eu não
me lembro de tudo que ele falou, lembro que ele repetia as
advertências de maneira enfática.
Porém
a minha mãe era viciada em doces. Quando eu via um doce ou uma bala
ou um chocolate eu jogava no lixo, pedindo, mamãe, pelo amor de
Deus, não coma coisas doces, o médico falou.
Mas
ela comia escondido de mim. E aconteceu o que tinha de acontecer: ela
teve um enfarto fulminante.
Depois
da morte da minha mãe eu continuei indo à missa todos os domingos.
Aguardava ansioso o momento em que o padre colocaria a hóstia na
minha boca. Mas era uma ansiedade diferente agora. Nem me importava
mais com essa história de não mastigar. Eu estava viciado em
hóstia, achava um verdadeiro néctar. Às vezes eu a deixava
derreter na boca, outras vezes eu a mastigava. Ia à missa só para
isso, para comer hóstias.
E
frequentava várias igrejas, sabia a hora exata em que o padre
dispensava a hóstia, o que felizmente não ocorria simultaneamente
em todas elas.
Quando
o papa anunciou que iria a Aparecida do Norte, eu também decidi ir.
Mas
fui antes dele. Eu soube que estavam sendo fabricadas na basílica
mais de 150 mil hóstias por semana. Elas estavam estocadas na capela
do Santíssimo. E eram feitas com a melhor farinha de trigo.
Não
foi difícil invadir, tarde de noite, a capela do Santíssimo em
Aparecida. Entrei e enchi a enorme mala que carregava com hóstias e
a mala ficou tão pesada que eu mal aguentava carregá-la.
Continuo
indo a várias missas todos os domingos e comungando em cada uma
delas, é claro.
No
meio da semana como três ou quatro hóstias da mala que enchi em
Aparecida. Mas sou econômico em relação às hóstias. Conforme os
ensinamentos da Santa Madre Igreja, economia, uma palavra de origem
grega, significa o uso prudente das coisas, incluindo alimentos.
Minhas
hóstias de Aparecida vão durar muito tempo.
Rubem
Fonseca, in Histórias curtas
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