sexta-feira, 17 de julho de 2020

Os que esperam

Meu pai: um dia
ele vai chegar, não é?

O velho pai espreitou
a linha de comboio
e acenou com a cabeça.

Mas havia demasiada luz
e, no rosto, sacudiu uma cegueira.

Voltaram, pai e filho,
à condição da pedra.
Parados, ambos, na poeira da espera.

Fazia tempo
que ali estavam
aguardando aquele que haveria de chegar.

Vieram chuvas e frios,
interiores rios
estancaram no peito.

Ao fim da tarde,
a mãe lhes trazia merenda
e sacudia os ombros,
em silenciosa reprovação.

A ansiedade do filho
não tinha consolo:

É que ele está vindo do longe,
trazendo a notícia, não é, paizinho?

A mãe, corrigia-lhes o sonho:

Esse que há de vir
há muito que perdeu viagem.

Até que, certo dia,
o comboio encheu a estação
com seu suspiro cansado.

Olhar tropeçando no coração,
o pai se ergueu
e o dedo tremente
apontou o homem
que, descendo do trem,
se apossava do mundo.

Então, o chegante,
na pedra do pátio se ajoelhou.
As mãos cruzadas, em respeito,
no peito se afundaram.

Pai e filho,
sobre o mudo visitante se inclinaram.
E esperaram a anunciada palavra.

O silêncio,
porém, tardou
mais do que a véspera.
Quanto tempo
demoram as rezas
de quem vem do outro lado,
onde nem anjos há?

Até que
o visitante se soergueu,
enfrentou os que os esperavam e inquiriu:

Há quanto tempo
moram neste cemitério?

Nos lábios do pai,
suspensa,
a indizível resposta.

De súbito,
nem visitante, nem comboio, nem estação.

Apenas o pai,
de passo bêbedo,
espreita um novo infinito.

Só então
o filho sente o perfume das flores
ascendendo da campa de sua mãe.
Mia Couto

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