Deserto de Atacama na primavera
País
de essências longitudinais – Comecemos pelo princípio, pelo
Chile, essa terra remota que poucos conseguem situar no mapa porque é
o mais longe que se pode ir sem cair do planeta. “Porque não
vendemos o Chile e compramos algo mais perto de Paris...?”,
perguntava um dos nossos escritores. Ninguém passa casualmente por
aqueles lados, por mais perdido que ande, mas muitos visitantes
decidem ficar para sempre, apaixonados pela terra e pelas gentes. É
o fim de todos os caminhos, uma lança no sul do Sul da América,
quatro mil e trezentos quilômetros de montes, vales, lagos e mar.
Assim a descreve Neruda na sua ardente poesia:
Noite,
neve e areia fazem a forma da minha fina pátria, há todo o silêncio
na sua longa linha, toda a espuma sai da sua barba marinha, todo o
carvão a enche de misteriosos beijos.
Este
esbelto território é como uma ilha, separada do resto do continente
a norte pelo deserto de Atacama, o mais seco do mundo, como gostam de
dizer os seus habitantes, mas isso deve ser falso, porque na
Primavera uma parte desse cascalho lunar costuma cobrir-se com um
manto de flores, qual prodigiosa pintura de Monet; a leste pela
cordilheira dos Andes, formidável maciço de pedra e neves eternas;
a oeste pelas abruptas costas do oceano Pacífico; em baixo pela
solitária Antártida. Este país de topografia dramática e climas
diversos, salpicado de caprichosos obstáculos e sacudido pelos
suspiros de centenas de vulcões, que existe como um milagre
geológico entre as alturas da cordilheira e as profundezas do mar,
está unido de ponta a ponta pelo obstinado sentimento de nação dos
seus habitantes.
Os
Chilenos continuamos ligados à terra, como os camponeses que antes
fomos. A maioria de nós sonha ter um pedaço de terra, nem que seja
para plantar meia dúzia de alfaces. O diário mais importante, El
Mercúrio, publica um suplemento semanal de agricultura que informa a
população em geral sobre o último bicho insignificante que
apareceu nas batatas, ou a produção de leite que se obtém com
determinada forragem. Os leitores, que vivem no meio do asfalto e do
cimento, leem-no apaixonadamente, mesmo que nunca tenham visto uma
vaca viva.
Isabell
Allende, in O meu país inventado
Nenhum comentário:
Postar um comentário