Em
1883, Alberto Santos-Dumont, aos 10 anos, ainda não vira um balão,
mas imitava a invenção dos Montgolfier em miniatura. A partir das
ilustrações dos livros, ele fazia pequenos balões de papel e os
enchia de ar quente com a chama do fogão. Nas comemorações dos
dias santos, ele fazia demonstrações para os trabalhadores do
campo. Até mesmo seus pais, que não aprovavam esses experimentos
incendiários, não conseguiam esconder o espanto ao ver os
montgolfières voarem mais alto que a casa. Ele construiu
também um aeroplano pequeno, de madeira, cujo propulsor, chamado na
época de “hélice”, era acionado por tiras de borracha
enroladas.
Por
ter lido Júlio Verne, Alberto estava convencido de que as pessoas já
tinham ultrapassado a etapa dos balões de ar quente e haviam voado
em aeronaves, também conhecidas como dirigíveis (balões a motor
que obedeciam à ação do leme). A família e os amigos tentavam
dissuadi-lo dessa ideia. Ele e outras crianças gostavam muito de uma
brincadeira. “É um divertimento muito conhecido. As crianças
colocam-se em torno de uma mesa e uma delas vai perguntando em voz
alta: ‘Pombo voa?’... ‘Galinha voa?’... ‘Urubu voa?’...
‘Abelha voa?’ E assim sucessivamente. A cada chamada todos nós
devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que de quando
em quando gritavam: ‘Cachorro voa?’... ‘Raposa voa?’... ou
algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Se algum
levantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda.
“E
meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir
maliciosamente cada vez que perguntavam: ‘Homem voa?’ É que no
mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: ‘Voa!!!!’
Com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a
pagar prenda.
“Quanto
mais troçavam de mim, mais feliz eu me sentia. Tinha a convicção
de que um dia os trocistas estariam do meu lado.”
Alberto
só viu um voo tripulado aos 15 anos, em 1888, em uma feira em São
Paulo, quando um aeronauta ascendeu num balão esférico e desceu de
paraquedas. A imaginação de Alberto inflamou-se:
Durante
as compridas tardes ensolaradas do Brasil, ninado pelo zumbido de
insetos e pelo grito distante de algum pássaro, deitado à sombra da
varanda, eu me detinha horas e horas a contemplar o céu brasileiro e
a admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas,
atingiam as grandes alturas. E, ao ver as nuvens que flutuavam
alegremente à luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espaço
livre.
Assim
meditando sobre a exploração do grande oceano celeste, por minha
vez eu criava aeronaves e inventava máquinas.
Tais
devaneios eu os guardava comigo. Nessa época, e no Brasil, falar em
inventar uma máquina voadora, um balão dirigível, seria quase
passar por desequilibrado ou visionário. Os aeronautas, que subiam
em balões esféricos, eram considerados como profissionais
habilíssimos, quase semelhantes aos acrobatas de circo.
Se
o filho de um fazendeiro de café sonhasse em se transformar em um
êmulo deles, cometeria um verdadeiro pecado social.
Os
pais de Santos-Dumont eram conservadores. Eles apoiavam o imperador,
cuja estrada de ferro Henrique construíra com tanto empenho. Mas não
podiam evitar que a curiosidade do filho o expusesse a todos os tipos
de ideologia que lhes desagradava. Quando Alberto estava na usina de
beneficiamento de café, apesar de sua timidez, ele ouvia as
conversas dos operários sobre o movimento democrático. O jovem
Alberto se interessava pouco por política e não escolhera ainda sua
profissão — provavelmente não lhe ocorrera que alguém pudesse se
tornar um aeronauta ou inventor. No entanto, sabia que, qualquer que
fosse sua escolha, ela teria um profundo impacto nas pessoas que o
rodeavam. Com certeza, nenhum outro pioneiro da aeronáutica tivera
ambições tão grandes uma década antes de começar a voar.
Paul
Hoffman,
in Asas
da loucura
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