é
por causa da vida,
porque
o céu fica a oeste da casa de meu pai,
onde
moram: toda a riqueza do mundo e minha alma.
Lá
tem um canto na parede
pra
onde eu vou escondida comer com o prato na mão,
de
onde vejo Jerusalém, as cúpulas faiscando,
a
Rosa de Jericó desabrochada.
Daquele
ângulo,
as
doenças graves ficam domesticadas,
inocentes
ficam minha prima e seus cinco filhos bastardos.
O
tiro, o álcool, a imprecação, mesmo o medo
assentam
na caneca de chá,
no
fundo grosso de misericórdia e açúcar,
incansável
paciência.
As
ervas de remédio machucadas põem cheiro na santidade
no
esforço de repetir: sim, meu Deus,
sim,
meu corpo fraco,
sim,
que saudade da bicicleta,
de
sair pra rua sacudindo
meu
invencível poder sobre buracos e pedras,
sim,
a juventude me comove tanto,
sim,
minha fadiga que nem tanta é,
comparada
à que na cruz, ó meu Pai, padeceste por mim.
O
corpo sente dores?
Eu
comia assim:
arroz,
feijão, cebola crua,
mas
o prato tinha a beirada bordada.
A
colher oxidava,
mas,
no cabo, miosótis gravados.
O
corpo sente alegrias, a língua as come
claras,
quentes, indubitáveis como sóis.
Morre-se?
As
matemáticas eu entendo mais.
Adélia
Prado
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