— Alô!
Da residência do escritor Antônio Crispim? Bom dia, mestre. Aqui é
da redação do Futuro. Estamos fazendo uma enquete sobre os
dez maiores livros brasileiros do trimestre. Gostaríamos de ter sua
opinião.
— Vou
pensar.
— Não
podia dizer mesmo sem pensar? Os outros já responderam: o acadêmico
X, o reitor L, a dona Briolanja… Preciso das respostas para amanhã.
Tocar daqui a cinco minutos? O.k., mestre!
*
— Alô!
— Já
quer a resposta, meu filho? Só se passaram três minutos.
— Engano,
doutor. Fala a repórter do Novidades. Desejaríamos ouvi-lo
sobre o crime.
— Não
cometi crime nenhum!
— Eu
sei, doutor. Se cometesse, eu iria pessoalmente com o fotógrafo. Me
refiro ao crime do Edifício Araxá, as três mulheres mortas em pé
no elevador de serviço.
— Mas
eu não sou criminalista nem detetive nem escritor policial…
— Por
isso mesmo sua opinião é indispensável. Chega de técnicos. Agora
mesmo entrevistamos Garrincha e estamos no encalço do professor
Silva Melo. O criminoso foi um só? O engenheiro do 212 estará
envolvido? Como explica o fato de o porteiro não ter visto entrarem
as três mulheres?
— Bem,
eu…
— Vamos
fazer o seguinte. O senhor reflete cinco minutos e eu toco de novo.
Até já.
*
— Da
casa do dr. Crispim? Ele mesmo? Bom dia, aqui é do Diário do
País. O senhor leu nossa página política? Não teve tempo? Não
faz mal. Queremos saber quantos golpes estão sendo preparados, por
que grupos, e de que modo. Que é que o senhor diz a respeito? Qual o
golpe que terá mais chance? Sei que o senhor não é político, é
claro, se fosse não ia me dar o serviço. E depois, queremos uma
análise objetiva, entende? Toco daqui a pouco, para não afobá-lo!
*
— É
o mestre? Mestre, o Futuro. Escolheu os dez? Ótimo, só que o
secretário pensou melhor e acha que o papel é indagar quais os dez
livros mais importantes do mundo nos últimos dez anos. Que abalaram
o mundo, sabe? Para provar que sou camarada, dou-lhe mais cinco
minutos, mestre!
*
— Doutor,
pode dizer a Vida de Hoje o que acha das calças Saint-Tropez?
Vê algum mal no umbigo de fora? Depende do umbigo? Como? Pois não,
eu chamo outra vez. Tá.
*
— Mestre?
Fez a lista? Ainda não? Ótimo. Lembraram aqui na redação que a
pergunta já foi feita na semana passada pelo Turfe em Revista,
só que eram os dez mais livros do mundo sobre cavalo. Compreende,
podia dar em gozação. Por isso, a pergunta agora é: Quais as dez
mais histórias de mentiroso da literatura mundial? Piadas? Não,
mestre, histórias mesmo, negócio sério. Olhe: tem mais cinco
minutos, tá bom?
*
— O
senhor acredita na influência das irradiações atômicas sobre os
acontecimentos de agosto no Brasil?
— Na
sua opinião, a Síria continuará independente ou voltará ao
controle de Nasser?
— Como
intelectual, o senhor tem alguma solução para o problema de Berlim?
— As
ligas camponesas resolvem?
— Qual
a mulher que, se pudesse, o senhor levaria para uma volta ao cosmos?
— Já
provou carne de baleia?
*
— Crispim?
O quê? Calma, rapaz, é o Mota. Vim te cobrar a crônica. Não fez?
Eu sabia. Você passou a manhã inteira namorando pelo telefone,
claro que não podia fazer!
Carlos
Drummond de Andrade, in A bolsa & a vida
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