quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Loucura e religião

Disse o Riobaldo e eu digo “amém”. “Todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Eu, cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim, é pouca... Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles...” (João Guimarães Rosa). Espantei-me quando li. Ecumenismo maior não pode existir. Se o Riobaldo fosse cardeal, ah! Sua Santidade, Bento XVI ia ter um trabalhão...
Acontece assim comigo também: não perco ocasião de religião. Tenho sangue de católico. Meu avô ia ser padre. Se tivesse sido, este texto não existiria. Lá no sobrado de vidros coloridos, no sótão, entre as telhas e o forro, ficavam guardadas as velharias numa canastra. Entre elas, uma carta do meu avô, interno do Caraça, já vestido de batina preta, dirigida ao seu pai, pedindo dez tostões para comprar uma batina nova porque a sua já estava velha. Tenho também sangue de espírita, que eles chamam de espiritualista ou kardecista, qualquer nome é bom.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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