Devo
ter lido o livro O apanhador no campo de centeio do J. D.
Salinger umas duas ou três vezes quando tinha pouco mais do que a
idade do seu herói, Holden Caulfield. Fui procurá-lo agora para ler
de novo e não encontrei — e foi melhor assim. Os livros que nos
encantaram na juventude tendem a perder seu encanto com o tempo, e o
que antes era mágica vira banalidade. Com o cinema acontece a mesma
coisa e são poucos os filmes, como Sob o domínio do mal, que
ficam cada vez mais inteligentes.
Mas
no caso de O apanhador desiludir-se com ele 50 anos depois
talvez faça parte da experiência da sua leitura. No sentido daquele
enólogo francês contratado para orientar a plantação de vinhedos
e instalar uma vinícola, com tudo para produzir um vinho igual ao
francês na Califórnia e que no fim de seu trabalho disse: “Pronto,
agora é só esperar 300 anos.” Se você, jovem, está
recém-descobrindo o romance do Salinger, leia-o agora, depois espere
50 anos para ler de novo, e aí conversaremos.
Pois
o livro é sobre o que todos nós fomos na adolescência, revoltados
incompreendidos, nos achando melhores do que os adultos porque ainda
não éramos ridículos como eles, e sobre a maior banalidade de
todas, a protobanalidade que embala boa parte da arte humana: a perda
da inocência da infância, a sua corrupção pela vida. Se o leitor
também é um jovem, não identifica a banalidade, ou a toma como uma
sacada e se encanta com ela. Cinquenta anos depois, a banalidade fica
evidente e isto de certa forma redime o livro, que tinha outras
qualidades além do seu apelo a angústias juvenis.
Lembro-me
de ler que os tradutores sugeriram outro título em português, em
vez da versão literal de The Catcher in the Rye: O sentinela do
abismo. Seria perfeito. O apanhador no campo de centeio tentava
evitar que as crianças deixassem seu território mágico e se
precipitassem, por assim dizer, na vida adulta, onde nunca mais
seriam inocentes ou felizes. Reler o livro 50 anos depois deve ser
como endossar a sua banalidade com um testemunho. Estamos lendo do
fundo do abismo, e damos fé.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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