Por
mais de três dias se defrontaram no tabuleiro. Olhando para eles,
jamais se diria que eram aparentados. Miúdo tinha 22 anos, mas seu
rosto macio e suave o fazia parecer seis anos mais jovem, ainda no
balbucio da adolescência. Vovô tinha 99, e era quase sempre lúcido,
porém era presa dos lapsos gaguejantes da senilidade. Miúdo, como a
maioria dos homens sob o peso desse apelido, tinha, descalço, 1,92m
de altura e castigava as balanças com 135 quilos. Vovô tinha 1,62m
com as botas de cowboy e pesava pouco mais de 50 quilos, se
bem que geralmente afirmasse, à menor provocação, que já tivera
1,80m e pesara 100 quilos, antes que o trabalho árduo e as mulheres
ainda mais árduas o tivessem encolhido, e que, se ainda estivesse à
distância de um pio da flor da sua mocidade, ele te chutaria a bunda
como se fosse lenha e a empilharia antes que os galhos e os gravetos
beijassem o chão. Miúdo, felizmente, era tão amistoso quanto o
vovô era ranzinza, tão plácido quanto o velho era feroz e
beligerante.
As
diferenças de temperamento se transformaram em estilos. Miúdo
gostava da pureza linear e aberta do jogo de damas. Vovô preferia o
jogo de baralho com cartas marcadas, em que sua força está nos seus
segredos e você voa rumo ao olho do caos montado no próprio
fantasma. Miúdo começava a trabalhar ao nascer do sol. Vovô só se
agitava ao meio-dia. Miúdo não se incomodava de lavar a louça.
Vovô cozinhava – habilidade adquirida à força com a adoção de
Miúdo, e que, estranhamente, veio a apreciar–, mas só fazia o
jantar, era sua única refeição: o café da manhã era omitido no
sono, o almoço, uma xícara de café e um gole do Velho Sussurro da
Morte. Miúdo bebia pouco – em geral, só um gole antes de ir para
a cama, a fim de brecar os sonhos; vovô bebia muito, em geral meio
litro por dia, para pôr os sonhos em movimento.
Miúdo
pescava com iscas que ele próprio fazia, para grande desgosto de
Jake; este usava minhocas, sempre usara minhocas, não via porra
nenhuma de errado em usar minhocas, e afirmava que estaria servindo
sorvete de casquinha no inferno antes mesmo que considerasse a ideia
de pescar com um punhado de penas de galinha amarradas num anzol.
Miúdo
ria, bem-disposto e constante. Vovô cacarejava, roncava, bufava,
latia e rugia.
Miúdo
tinha dentes fortes e bem formados. Vovô tinha gengivas fortes e bem
formadas, além de cinco dentes, dois deles se juntavam quando
fechava a boca, ajudando-o a comer.
Miúdo
não gostava de sonhar. Vovô Jake sonhava agora constantemente, como
um graveto levado pelo rio.
Suas
diferenças, apesar de numerosas, eram superficiais; suas semelhanças
eram poucas, mas tinham um alicerce: eram ligados pelo espantoso amor
que tinham um pelo outro, uma amabilidade que ia além da mera
tolerância, uma compreensão sanguínea daquilo que movia seus
corações. A princípio, Jake tentara arduamente, e até além da
conta, tirar Miúdo para fora de sua casca, bombardeava-o com doces,
bolas de beisebol, caminhões de brinquedo, varas de pescar e
biscoitos de chocolate, atenção total e uma permissividade
apaixonada e sem limites. Quando Lottie Anderson lhe informou que as
crianças da idade de Miúdo gostavam de caixas de areia, vovô
encomendou a Barney Wetzler, da firma Pedreiras Irmãos Wetzler, 30
metros cúbicos de areia limpa do rio. Imaginando que todo moleque
deveria ter um cachorro, em um mês vovô Jake lhe deu quatro: um par
de filhotes walker, um spaniel brittany e um mestiço beagle teimoso
de nome Patrão (que, sem s benefícios do uísque do vovô, viveu 18
anos como companheiro de Miúdo, até que um enorme porco-do-mato
chamado Cerra-Dente o abriu ao meio, dos testículos ao pescoço.
Patrão, por pura e infatigável vontade, conseguiu se arrastar até
a casa e arranhar a porta antes de morrer).
Jim
Dodge, in Fup
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