De
que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco
com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?
E
enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem
senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é pra
ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar
tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no
infinito...
-
Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!
De
que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço
bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma
horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante -
carregado de flor de cheirar?
E
enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem
senão de suas mãos pra mexer na terra e arranhar uns acordes no
violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra
puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar...
-
Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!
De
que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo
bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar -
um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e
pra briga, um amigo de casa e de bar?
E
enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem
senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das
ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o
amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?
-
Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!
De
que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma
mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E
enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem
senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o
desatino o carrega em sua onda sem rumo?
Sim,
de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as
únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra,
pelo amigo…
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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