Situação
em que o meu palhaço fica mais “possuído” é quando estou no
meio dos teólogos. Porque eles são sérios e acreditam no que
falam. Mas o meu palhaço não acredita em nada. Aí eu ponho em ação
a filosofia do bufão.
Com
certa frequência, teólogos e mestres nas coisas da divindade fazem
declarações surpreendentes. Há o caso de um teólogo inglês do
século XVII, se não me engano, que afirmou que uma das provas da
existência de Deus estava no fato de que, sempre que uma criança
nasce, já existe uma mãe à sua espera. Essa feliz coincidência,
ele concluía, só pode acontecer por obra de Deus.
Participando
de um encontro ecumênico de teólogos em Rocca di Papa, um lindo
lugar para encontros sagrados perto de Roma, ouvi a colocação de um
renomado professor de teologia que, defendendo a ideia da democracia,
afirmou que o fato de Deus ser uma Trindade é prova de que ela, a
democracia, é o sistema político desejado por Deus. As decisões
não são feitas por um monarca, autoritariamente, mas por três
iguais. Aí fiquei a pensar: “E se a votação for 2 a 1? E se Deus
Pai votar ‘sim’ e o Filho e o Espírito Santo votarem ‘não’?”.
Se a Trindade for democrática, há sempre o perigo de conflito
interno na divindade. Respeitosamente (em teologia há de se ter o
máximo respeito com os teólogos alemães), pedi-lhe licença para
sugerir um aprimoramento no seu modelo. Observei que a Trindade,
antes de ser um modelo para a democracia, é um modelo adequado às
juntas militares: Deus Pai representa o exército, Jesus Cristo
representa a marinha por já haver andado sobre as águas, e o
Espírito Santo representa a aeronáutica por ser uma pomba. Minha
sugestão não foi aceita.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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