quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Palhaçadas

Situação em que o meu palhaço fica mais “possuído” é quando estou no meio dos teólogos. Porque eles são sérios e acreditam no que falam. Mas o meu palhaço não acredita em nada. Aí eu ponho em ação a filosofia do bufão.
Com certa frequência, teólogos e mestres nas coisas da divindade fazem declarações surpreendentes. Há o caso de um teólogo inglês do século XVII, se não me engano, que afirmou que uma das provas da existência de Deus estava no fato de que, sempre que uma criança nasce, já existe uma mãe à sua espera. Essa feliz coincidência, ele concluía, só pode acontecer por obra de Deus.
Participando de um encontro ecumênico de teólogos em Rocca di Papa, um lindo lugar para encontros sagrados perto de Roma, ouvi a colocação de um renomado professor de teologia que, defendendo a ideia da democracia, afirmou que o fato de Deus ser uma Trindade é prova de que ela, a democracia, é o sistema político desejado por Deus. As decisões não são feitas por um monarca, autoritariamente, mas por três iguais. Aí fiquei a pensar: “E se a votação for 2 a 1? E se Deus Pai votar ‘sim’ e o Filho e o Espírito Santo votarem ‘não’?”. Se a Trindade for democrática, há sempre o perigo de conflito interno na divindade. Respeitosamente (em teologia há de se ter o máximo respeito com os teólogos alemães), pedi-lhe licença para sugerir um aprimoramento no seu modelo. Observei que a Trindade, antes de ser um modelo para a democracia, é um modelo adequado às juntas militares: Deus Pai representa o exército, Jesus Cristo representa a marinha por já haver andado sobre as águas, e o Espírito Santo representa a aeronáutica por ser uma pomba. Minha sugestão não foi aceita.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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