Costuma-se
apontar as críticas que são feitas à situação nos jornais ou em
pronunciamentos da oposição como provas de que existe liberdade de
expressão. É uma pseudoliberdade, porque é consentida — e até
bem pouco tempo nem isto era — e porque é inconsequente. Um filme
como Todos os homens do presidente não é apenas sobre a
liberdade de informação, é sobre a consequência que esta
liberdade tem num país em que a imprensa age sobre o poder, em vez
de apenas importuná-lo. Mais do que um filme sobre os desmandos do
poder presidencial, Todos os homens... é também um filme sobre o
poder do Washington Post em particular e da grande imprensa
americana em geral.
Para
um jornalista brasileiro, o mais incrível no filme é a facilidade
com que os repórteres do Post pegam um telefone e perguntam
para o figurão do governo o que querem saber. Não recebem evasivas,
ninguém finge que caiu a ligação, são todos constrangidos a
responder. Afinal, é o Washington Post que está na linha. É
o fiscal, é uma das duas vigas mestras do establishment
liberal, você simplesmente não mente para o Post . Ou então mente
da maneira mais convincente que puder. Nixon e todo o poderio da Casa
Branca contra o Post não foi exatamente uma luta desigual. A
desvantagem estava com Nixon, como se viu.
Hoje
sabemos que Nixon não teria caído, se não tivesse muita gente
interessada em que isto acontecesse. Não foi uma conspiração, foi
uma feliz coincidência de interesses. O filme não toca nisto. Não
podia nem devia. A história foi escrita pelos dois repórteres
envolvidos que nada sabiam — ou não queriam saber — sobre os
outros interesses em jogo. O filme é sobre a sua aventura pessoal.
Nenhum dos dois é político. A certa altura do filme, Woodward até
se declara um republicano, o que, verdade ou não, combina com o seu
tipo físico. O do ator e o do Woodward real. Bernstein é judeu,
obviamente democrata, e o contraste que oferece, em tudo, à figura
de Woodward é um dos atrativos incidentais do filme. Não se deve
diminuir a importância dos dois atores para o sucesso de mais esta
aventura do mocinho loiro e do seu amigo gozadão no cinema
americano. Todas as histórias de detetive americanas são assim, uma
investigação banal no começo que acaba revelando um complexo
sistema de corrupção que só o herói solitário, pela
persistência, consegue desmontar. E foi sorte também os dois se
parecerem com Robert Redford e Dustin Hoffman. Até o Nixon, mais
tarde, mais calmo, torceria por eles se visse o filme.
Dizem
que as escolas de jornalismo dos Estados Unidos receberam inscrições
em número recorde, depois que o caso Watergate estourou. O filme é,
também, sobre o charme do jornalismo. O jornalista e o detetive não
podem se queixar do prestígio que o cinema tem lhes dado através
dos tempos. Com a diferença de que ninguém acredita na ficção do
detetive mas o jornalismo continua a atrair cada vez mais
pretendentes, embora sua realidade constantemente desminta o seu
glamour. Não é uma profissão que gratifique nem com
dinheiro nem com status nem com realização pessoal, salvo escassas
exceções. E certamente não dá poder. A não ser que você vá
trabalhar para o Post ou o Times. E mesmo lá você
será usado.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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