1
Vejam
bem, quando digo sabedoria, não estou querendo dizer saber
como as coisas funcionam. Isso é fácil. Um pouco de não sei
quem, um pouco de como é mesmo o nome, e a leitura diária dos
jornais, e uma cabeça de segunda imagina que sabe o que está aí.
Mas o que se passa, mesmo?
Quem
sabe, ficar pasmos seja nosso papel, e isso é tudo.
TUDO
que ele sabia fazer por mim era me transformar num número de um de
seus contos de magia e maravilha, ora herói, às vezes vilão, pivô
da história num bangue-bangue bem vagabundo, desses que a gente já
adivinha tudo desde a largada, desde o primeiro tiro, desde o
massacre da família do pistoleiro por uma quadrilha de mexicanos,
até o duelo final entre o deserto e os sobreviventes.
O
caso com Norma Propp começou eu me queixando dessas técnicas do
pai.
Como
não percebi logo que encontrá-la era (eu não sabia) a variante B
da função 9, “herói se apaixona pela filha do pai”?
Contei
isso, ela riu, riu, mas riu tanto que seus peitos nus balançavam
como maçãs numa macieira chicoteada por uma tempestade.
2
Uma
chance em um milhão que eu viesse a me apaixonar por Norma
Propp.
O
que eu queria da vida não era vida pra ela.
Nem
sei, aliás, se cheguei a estar apaixonado por Norma Propp.
Afinal, o que é que significa isso? Quem não sabe, no fundo, amor é
invenção do coração da mulher, que ela tenta vender para o
primeiro que aparecer e o seguinte, e o seguinte, e o seguinte, e
assim por diante até aquela cena de sangue num bar da Avenida São
João, que só vem para provar, de uma vez por todas, que alguém e
ninguém não são iguais, e dali saem para lamber o sangue de suas
patas, meditando a próxima vingança. No fundo, toda diferença é
insuportável. O ímpar do professor Propp, a gente quer tudo par.
Norma
era qualquer coisa assim como uma espécie de enfermeira e secretária
do pai. Um dia, num encontro mais violento, no fim do terceiro round,
Propp exigiu que eu lhe contasse uma coisa que eu não digo nem
pra mim mesmo. Achei um atrevimento, uma absurda invasão dos
meus espaços interiores, mesmo vinda da parte de quem vinha, ou por
isso mesmo:
— Tem
uma coisa sobre a qual eu não quero falar, eu insisti.
Propp
insistiu. Eu perseverei. Ele reiterou. Eu recalcitrei. Ele fez
questão, eu também, e, no calor da luta, comecei a sentir
vertigens, calafrios, enjoos, câimbras e ânsias de vômito.
Propp
chamou a filha, ela me levou até o banheiro, onde eu despejei no
vaso três funções, quatro traumas, e só não saiu aquele dilema
porque, bem, por quê?
— Te
amo, ela disse, enquanto segurava minha cabeça dentro da privada.
Virei
a cabeça, olhei para ela e sabia que estava perdido.
Paulo
Leminski, in Agora é que são elas
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