De todos aqueles ratos de cinemateca que
formaram a nova onda do cinema francês no final dos anos 60, só
Truffaut ficou. Eu sei que os outros continuam aí, fazendo boas
coisas, mas só de Truffaut pode-se dizer que se estabeleceu no ramo
do cinema. A noite americana mostra o porquê. Truffaut nunca
pretendeu do cinema nada além do cinema. O mais admirável em A
noite americana é a sua contenção, a sua extrema economia de
propósitos. Outro diretor teria aproveitado a oportunidade — um
filme sobre a feitura de um filme — para armar um jogo intelectual
qualquer, um truque de espelhos, a fantasia e a realidade, a arte e a
vida, e olhem só como eu sou engenhoso. Truffaut, não. Faz um filme
convencional sobre Truffaut fazendo um filme convencional. Mas
Truffaut faz grandes filmes convencionais.
Não é que ele seja superficial. Fellini
também é um superficial e substitui as ideias pelo barroquismo de
imagem. Está certo, a imagem inteligente é uma das formas que o
cinema tem de ser profundo. Truffaut não se interessa em ser
profundo. A primeira mágica do cinema, o fato do cinema em si, já
basta como fascínio. Nada de muito extraordinário acontece em Noite
americana, e a grande homenagem de Truffaut ao cinema é
transformar o fato corriqueiro de um filme sendo feito num espetáculo
extraordinário. Truffaut, como todos da sua geração, começou no
cinema pelo deslumbramento. A diferença entre ele e o resto é que
ele continua deslumbrado. Durante as quase duas horas da Noite
americana, o cinema reina e nos emociona. Profundamente. E
Truffaut está tão comovido quanto a gente.
Luís Fernando Veríssimo, in
Banquete com os deuses
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