A
nota de cinco mil cruzeiros estava preocupada. Anunciaram para breve
a sua entrada em circulação, e já passavam muitos sóis sem que a
retirassem do almoxarifado. No almoxarifado, chega-lhe o zum-zum de
que continuamente as coisas sobem de preço e as notas baixam de
valor. Embora os algarismos continuem os mesmos, cada dia significam
uma realidade menor. Quando chegar minha vez de andar por aí —
receia a nota de cinco mil — quanto valerão meus cinco mil?
Ao
ser desenhada, sentira-se toda garbosa, cheia de minhocas na cabeça.
Iria suplantar as coleguinhas, dando a vera ideia de grandeza. Mas
até agora nada, e a nota inquieta-se:
— Quando
vejo o cruzeiro metálico passar do tamanho de medalha de chocolate
ao de botão de manga de camisa (e amanhã ele chegará talvez a
semente de tangerina), sinto que meu futuro não será nada fagueiro.
Vão-me reduzir às proporções de ficha de ônibus, feita de papel,
e servirei para pagar a passagem de um coletivo circular. No máximo.
Estava
nessa tristeza quando lhe apareceu, ainda em forma de neblina futura,
o projeto da nota de cinco milhões, com efígie de cabeça para
baixo, e sussurrou-lhe:
— Maninha,
depois de mim virá a cédula de cinco trilhões, e assim
sucessivamente, pois infinito é o número dos números. Até que um
dia o homem se cansará de escrever no papel grandezas que são
insignificâncias, e passará a escrever insignificâncias que valham
grandezas. Já pressinto no horizonte maravilhosa nota zero, que nos
resumirá a todas e alcançará o máximo valor metafísico.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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