domingo, 23 de junho de 2019

"A diplomacia é a ciência dos sábios"

Cultivei por muito tempo uma convicção, a de que a maior aventura humana é dizer o que se pensa. Meu bisavô, vigilante, puxava sempre da algibeira esta moeda antiga: ‘A diplomacia é a ciência dos sábios’. Era um ancião que usava botinas de pelica, camisa de tricoline em fio de Escócia, e gravata escolhida a dedo, em que uma ponta de cor volúvel marcava a austeridade da casemira inglesa. Não dispensava o colete, a corrente do relógio de bolso desenhando no peito escuro um brilhante e enorme anzol de ouro. E o jasmim, ah, o jasmim! Um botão branco de aroma oriental sempre bem-comportado na casa da lapela. E era antes um ritual de elegância quando ajustava os óculos sobre o nariz: a mão quase em concha subia sem pressa até prender um dos aros entre o polegar e o indicador, retendo demoradamente os dedos no metal enquanto testava o foco das lentes. Neste exato momento, seu olhar ia longe, muito longe, como se vislumbrasse meu futuro distante. Talvez fosse essa antevisão que fizesse surgir o esgar fértil no canto dos lábios, era como se ele tivesse acabado de plantar ali a semente provável de um grande regozijo. Apesar da postura solene, o bisavô, quem diria?, era chegado numa gíria, daí que me catava pela cabeça e soprava no meu ouvido: ‘O negócio é fazer média’, e enfatizava a palavra negócio. Só mesmo o bisavô, tão vetusto, tão novíssimo, era precursor: ‘Nada de porraloquice. Me promete’.”
Raduan Nassar, in Menina a caminho

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