Não
tenho ideia do que causa isso. Aparece: uma certa ideia sobre os
escritores do passado. E minhas ideias não são nem mesmo precisas,
são apenas minhas, quase que totalmente inventadas. Acho que
Sherwood Anderson, por exemplo, era baixinho e de ombros levemente
encurvados. Provavelmente, tinha ombros retos e era alto. Não
interessa. Eu o vejo do meu jeito. (Nunca vi uma foto dele.) Vejo
Dostoievsky como um cara barbudo, grandão, com letárgicos olhos
verde-escuros. Primeiro, ele era gordo demais, depois magro demais,
depois gordo demais. Bobagem, com certeza, mas eu gosto da minha
bobagem. Até vejo Dostoievsky como um cara que desejava garotinhas.
Faulkner, vejo, em meio a uma certa penumbra, como um ranzinza e um
cara com mau hálito. Gorky, como um cara que bebe escondido.
Tolstoi, como um homem que tinha ataques de fúria por besteiras.
Vejo Hemingway como um cara que dançava balé a portas fechadas.
Vejo Celine como um cara que não dormia direito. Vejo e.e. cummings
como um grande jogador de sinuca. Poderia continuar sem parar.
Em
geral, tinha essas visões quando era um escritor faminto, meio
louco, incapaz de me adaptar à sociedade. Tinha pouca comida, mas
muito tempo. Quem quer que fossem os escritores, eram mágicos para
mim. Abriam portas de um jeito diferente. Precisavam de uma bebida
forte ao acordar. A vida era demais para eles. Cada dia era como
caminhar sobre cimento fresco. Fiz deles meus heróis. Me alimentava
deles. Minhas ideias sobre eles me sustentavam no meu lugar nenhum.
Pensar sobre eles era muito melhor do que lê-los. Como D. H.
Lawrence. Que sujeitinho perverso. Ele sabia tanto que isso fazia com
que ficasse possesso o tempo todo. Sensacional, sensacional. E Aldous
Huxley... poder mental de sobra. Ele sabia tanto que isso lhe dava
dor de cabeça.
Me
espreguiçava em minha cama de fome e pensava nesses caras.
A
literatura era tão... romântica. É.
Mas
os compositores e pintores também eram bons, sempre ficando loucos,
se suicidando, fazendo coisas estranhas e abjetas. O suicídio
parecia uma ideia tão boa. Eu mesmo tentei algumas vezes, falhei,
mas cheguei perto, fiz umas boas tentativas. Agora, aqui estou com
quase 72 anos. Meus heróis já se foram há muito e tive que viver
com outros. Alguns dos novos criadores, alguns dos recém-famosos.
Não são a mesma coisa pra mim. Olho para eles, os escuto e penso, é
só isso? Quero dizer, eles parecem estar numa boa... eles
reclamam... mas eles parecem estar NUMA BOA. Não há loucura. Só os
que parecem loucos são os que fracassaram como artistas e acham que
o fracasso é culpa de forças exteriores. E criam muito mal, de
forma horrível.
Não
tenho mais ninguém em quem me espelhar. Não consigo nem me espelhar
em mim mesmo. Costumava entrar e sair de cadeias, costumava arrombar
portas, quebrar janelas, beber 29 dias por mês. Hoje, sento em
frente deste computador com o rádio ligado, ouvindo música
clássica. Nem mesmo estou bebendo esta noite. Estou me resguardando.
Pra quê? Será que quero viver até os 80, 90 anos? Não me importo
de morrer... mas não neste ano, tá legal?
Não
sei, era diferente no passado. Os escritores pareciam ser mais...
escritores. Coisas eram feitas. A Black Sun Press. Os Crosby. Me
lembro tanto daquela época! Caresse Crosby publicou um dos meus
contos na sua revista Portfolio, junto com Sartre, acho, e
Henry Miller e acho que, talvez, Camus. Não tenho mais a revista. As
pessoas me roubam. Levam minhas coisas quando bebem comigo. Por isso
que estou cada vez mais sozinho. De qualquer forma, outros devem ter
saudades dos extraordinários anos 20, Gertrude Stein e Picasso...
James Joyce, Lawrence e essa turma.
Para
mim, parece que não somos mais o que éramos. É como se tivéssemos
gasto as opções, como se não conseguíssemos mais fazer alguma
coisa.
Sento
aqui, acendo um cigarro, ouço música. Minha saúde está boa e
espero estar escrevendo bem ou melhor que nunca. Mas tudo mais que
leio parece tão... usado... é como um estilo reconhecido. Talvez eu
tenha lido demais, talvez eu tenha lido por tempo demais. Também,
depois de décadas e décadas escrevendo (e escrevi um monte), quando
leio outro escritor acho que posso dizer exatamente quando ele está
fingindo, a mentira salta aos olhos, as resvaladas untuosas... Posso
adivinhar qual será a próxima linha, o próximo parágrafo... Não
há brilho, emoção, risco. É uma tarefa que aprenderam, como
consertar uma torneira que pinga.
Gostava
mais quando conseguia imaginar grandeza nos outros, mesmo que nem
sempre houvesse.
Na
minha cabeça, via Gorki em um cortiço, pedindo tabaco para o cara
ao lado. Via Robinson Jeffers falando com um cavalo. Via Faulkner
olhando para o último gole da garrafa. É claro, é claro, era bobo.
Os jovens são bobos e os velhos, idiotas.
Tenho
que me adaptar. Mas para todos nós, mesmo agora, a próxima linha
está sempre lá e pode ser a linha que finalmente consegue dar o
recado, que diz tudo. Podemos dormir pensando nisso durante as lentas
noites e esperar que aconteça.
Provavelmente,
somos tão bons hoje quanto aqueles filhos da puta do passado. E
alguns dos jovens pensam sobre mim como eu pensava sobre eles. Eu
sei, recebo cartas. Eu as leio e jogo fora. Estes são os monumentais
anos 90. Existe a próxima linha. E a linha depois dessa. Até não
haver mais nenhuma.
É.
Mais um cigarro. Depois, acho que vou tomar um banho e dormir.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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