quinta-feira, 23 de maio de 2019

Os Joad e os Wilson rumo ao Oeste

Os Joad e os Wilson arrastavam-se juntos, rumo ao Oeste; El Reno e Bridgeport, Clinton, Elk City, Sayre e Texola. Aí veio a fronteira, e Oklahoma ficou para trás. Nesse dia os carros se arrastavam mais e mais para a frente, através do enclave do Texas. Shamrock e Alanreed, Groom e Yarnell. Depois passaram, à tarde, por Amarillo, e só pararam quando já era noite escura. Estavam exaustos, cobertos de poeira e cheios de calor. A avó tivera convulsões ocasionadas pelo calor e sentia-se muito fraca ao acamparem. Naquela noite, Al furtou uma estaca de cerca e armou uma proteção contra o sol para os que viajavam na carroceria do caminhão.
Naquela noite comeram apenas panquecas frias e duras que tinham sobrado da refeição da manhã. Deixaram-se cair sobre os colchões e adormeceram vestidos como estavam. Os Wilson nem sequer armaram a sua tenda.
Os Joad e os Wilson atravessaram desabaladamente o enclave do Texas, a terra ondulada, pardacenta, sulcada e esburacada, cheia de cicatrizes de antigas enchentes. Fugiam do Oklahoma através do Texas. As tartarugas arrastavam-se pela poeira e o sol crestava a terra. À noite, o calor deixava o céu e da terra partiam baforadas de calor.
Dois dias correram as famílias assim desabaladamente, mas no terceiro a terra lhes pareceu muita, demasiada em sua imensidão e tiveram de recorrer a uma nova maneira de viver; a estrada passou a ser o seu lar e o movimento o seu meio de expressão. Pouco a pouco, habituavam-se à nova vida. Primeiro Ruthie e Winfield, depois Al, depois Connie e Rosa de Sharon e, finalmente, os mais velhos. A terra estendia-se ondulante diante deles. Wildorado e Vega e Boise e Glenrio. Aí é o fim do Texas. Novo México e as montanhas. Muito distante, sinuosa e elevando-se para o céu, a linha das serras. As rodas dos veículos rangiam, e os motores estavam quentes, e vapor escapava das tampas dos radiadores. Arrastaram-se até o rio Pecos e alcançaram Santa Rosa. E viajaram mais trinta quilômetros ainda.

Al Joad Guiava o carro dos Wilson, sua mãe sentava-se ao lado dele, e Rosa de Sharon ao lado dela. Diante deles o caminhão avançava com dificuldade. O calor espalhava-se em nuvens sobre a terra, e as montanhas tremiam no ar transparente. Al guiava despreocupadamente, recostado ao assento, a mão frouxa no volante; seu chapéu cinza, amarrotado, estava puxado de uma forma inacreditavelmente pretensiosa; e de vez em quando ele punha a cabeça para fora e dava compridas cusparadas.
A mãe, ao lado dele, tinha as mãos enlaçadas no colo, numa muda luta contra a fadiga. Ela se entregava ao abandono, deixando que os solavancos do carro lhe sacudissem livremente a cabeça e o tronco. Piscava os olhos, numa tentativa de distinguir as montanhas distantes. Rosa de Sharon opôs o corpo aos movimentos do carro, o cotovelo direito encostado à porta. Seu rosto redondo endurecia-se com os solavancos e a cabeça agitava-se espasmódica, pois os músculos de seu pescoço estavam retesados. Ela procurava, mantendo o corpo assim convulsivamente teso, transformar-se num recipiente rígido que preservasse o fruto de seu amor. Virou a cabeça para a mãe, agora. — Mãe — disse ela. — E os olhos da mãe abriram-se e encararam Rosa de Sharon, olharam-lhe o rosto redondo, contraído e exausto, e seus lábios sorriram.
Mãe — disse a moça —, quando a gente chegar lá, vamos todos colher frutas e viver outra vez no campo, não é?
A mãe esboçou um sorriso um tanto irônico.
Inda não chegamos lá — disse. — Nem sabemos direito como é a coisa na Califórnia. A gente tem que ver primeiro.
Eu e o Connie não queremos viver mais no campo — disse a moça. — Nós já resolvemos o que vamos fazer.
Uma nuvem de preocupação deslizou pelas faces da mãe:
Então vocês não vão querer ficar com a gente, com a família? — perguntou ela.
Bem, a senhora sabe, nós já combinamos tudo, eu e o Connie. Mãe, nós vamos viver numa cidade. — Ela continuou excitadamente. — O Connie vai procurar trabalho numa loja ou talvez numa fábrica. E vai estudar em casa, talvez rádio, pra ser um técnico e pode ser que mais tarde a gente até tenha uma loja própria. Assim, a gente até pode ir no cinema de vez em quando. E o Connie diss’que quando eu tiver a criança vem médico lá em casa; e ele diss’que, conforme as coisas até posso ir pra um hospital. Depois a gente vai ter um carro, um carro pequeno, né? E de noite ele fica estudando em casa e... puxa!, vai ser tão bom! Ele arrancou uma página do livro Histórias de amor do Oeste e vai mandar ela pra receber o livro que o curso por correspondência manda pra todos de graça. Tá escrito na página que ele arrancou, eu também vi. Depois... ah, sim, lá onde vai tirar o curso o pessoal até arruma emprego pros alunos. O rádio, sabe... é um serviço limpo, bonito e tem grande futuro. E a gente vai poder viver numa cidade e ir de vez em quando no cinema e... ah, sim, eu vou ter um ferro elétrico e a criança só vai ter roupinhas novas. O Connie diss’que ela vai ter tudo comprado novo, sabe? Tudo branquinho. A senhora viu no catálogo, não viu? Tinha tudo que uma criança precisa. Talvez no princípio seja um pouco difícil, quando o Connie ainda tiver estudando em casa... mas quando a criança vier talvez ele já tenha terminado com os estudos e a gente tenha a nossa casa. Uma casinha simples, é claro. A gente não quer uma casa grande, tem que ser bem bonitinha, por causa da criança, não é?... — Seu rosto ardia de entusiasmo. — E eu pensei até... pensei até que nós todos podia ficar na cidade, e quando o Connie tiver uma loja o Al poderá trabalhar com ele.
Os olhos da mãe não se afastaram nem por um instante do rosto corado de Rosa de Sharon. Escutou com toda a atenção a descrição de seus planos.
Mas nós não queremos que você nos deixe — disse ela. — Não é bom que uma família fique separada.
Al rosnou:
Eu, trabalhar pro Connie? Que tal o Connie trabalhar pra mim? Ele pensa que é o único bestalhão que pode estudar de noite?
Para a mãe tudo isso pareceu um sonho, de repente. Ela tornou a olhar para a frente e seu corpo relaxou-se, mas o sorriso leve ficou a brilhar em seus olhos.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

Nenhum comentário:

Postar um comentário