sábado, 11 de maio de 2019

Ironia e autoironia

Quando já negamos tudo num insano frenesi e liquidamos radicalmente todas as formas de existência, quando um excesso de negatividade acaba por levar tudo de nós, a quem poderíamos ainda nos segurar, senão a nós mesmos? De quem rir ou de quem reclamar? Quando o mundo inteiro fundiu-se sob nossos olhos, nós mesmos nos fundimos irremediavelmente. O infinito da ironia anula todos os conteúdos da vida. Não a ironia elegante, inteligente e sutil, proveniente de um sentimento de superioridade, ou de orgulho fácil - esta ironia pela qual algumas pessoas manifestam ostensivamente sua distância em relação ao mundo -, mas a ironia trágica e amarga do desespero. Pois a única ironia digna deste nome é aquela que substitui uma lágrima ou um espasmo, quiçá uma zombaria grotesca e criminosa. A ironia daqueles que sofreram não tem nada em comum com a ironia fácil dos diletantes. A primeira revela uma impotência em participar inocentemente da existência, devido a uma perda definitiva dos valores vitais; os diletantes, por outro lado, não sofrem desta impossibilidade, pois eles ignoram o sentimento de uma tal perda. A ironia reflete uma crispação anterior, uma falta de amor, uma ausência de comunhão e de compreensão humanas; ela equivale a um desprezo disfarçado. A ironia desdenha o gesto inocente e espontâneo, pois ela se coloca para além da inocência e da irracionalidade. Ela contém, apesar disso, uma forte dose de ciúme em relação aos inocentes. Incapaz de manifestar sua admiração pela simplicidade em razão de seu orgulho desmesurado, a ironia menospreza, inveja e envenena. Também a ironia amarga e trágica da agonia me parece muito mais autêntica do que a ironia cética. É significativo o fato de que ser irônico consigo mesmo apresente sempre a forma trágica da ironia. Não poderíamos alcançá-la por meio dos sorrisos: somente por suspiros, inteiramente sufocados. A autoironia é, com efeito, uma expressão do desespero: tendo perdido este mundo, nós mesmos nos perdemos. Uma explosão sinistra de risos acompanha, então, cada um dos nossos gestos; sobre as ruínas dos sorrisos doces e acariciantes da
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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