Chovia
em Paris, e não tínhamos guarda-chuva. Saímos do hotel nos
esgueirando. (Esgueirar-se: a arte de andar entre pingos de chuva ou
sob marquises. Sua principal característica é que nunca dá certo.)
Decidimos entrar no primeiro restaurante que aparecesse.
Chamava-se
Oeuf à la Poche, numa clara referência ao seu tamanho. Estava
vazio. Sentamo-nos, depois de sacudir a água na entrada, com aquele
falso ar de habitués que deve nos acompanhar em qualquer
lugar absolutamente estranho. Um cachorro veio nos examinar em
silêncio e, satisfeito ou desapontado, voltou para o seu lugar perto
do balcão. De trás do qual saiu um cabeludo com duas terrinas que
colocou sobre a nossa mesa, silencioso como o seu cachorro. Uma
terrina continha um patê pela metade. A outra era indecifrável.
Dali a pouco, o cabeludo voltou com mais duas terrinas. Depois, mais
duas. E mais duas!
Conseguimos
identificar champignons, salames, rillettes e pouca
coisa mais. Quando trouxe o pão, o cabeludo perguntou se queríamos
vinho. Suspirei aliviado. Ele não nos odiava! Pedi um tinto. E como
não aparecesse ninguém com um cardápio e eu é que não ia pedir
explicações sobre que tipo de restaurante era aquele, afinal,
atacamos as terrinas e o pão como quem não espera outra coisa.
Só
de baguette foi um quilômetro, e não ficou terrina sobre
terrina. Estávamos nos congratulando pela descoberta acidental do
restaurante, e tentando nos lembrar de quando tínhamos comido tanto
e tão bem quando surgiu uma moça, um pouco menos feminina do que o
cabeludo, e perguntou que prato quente iríamos querer, depois da
entrada. Tinham boeuf bourguignon, tinham... Pedimos cada um
um prato quente, de pura timidez.
Estou
recontando esta história sem qualquer proveito social que a redima
por que mesmo? Talvez só para dizer que anos depois procuramos o
“Oeuf à la Poche” e não o encontramos mais. Suas terrinas muito
generosas ou, quem sabe, a melancolia do cachorro tinham derrotado a
proposta. Ou talvez seja uma história inspiradora: não confunda os
aperitivos que o destino lhe serve com a vida, cedo ou tarde
aparecerá o prato quente. Sei lá.
E
a chuva em Paris? Não parou. Choveu todos os dias, até que
resolvemos tomar uma providência. Compramos guarda-chuvas. Aí ela
parou.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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