A
capacidade do homem para o pensamento abstrato, que parece faltar à
maioria dos outros mamíferos, sem dúvida conferiu-lhe seu atual
domínio sobre a superfície da Terra — um domínio disputado
apenas por centenas de milhares de tipos de insetos e organismos
microscópicos. Este pensamento abstrato é o responsável por sua
sensação de superioridade e por que, sob esta sensação, existe
uma certa medida de realidade, pelo menos dentro de estreitos
limites. Mas o que é frequentemente subestimado é o fato de que a
capacidade de desempenhar um ato não é, de forma alguma, sinônima
de seu exercício salubre. É fácil observar que a maior parte do
pensamento do homem é estúpida, sem sentido e injuriosa a ele. Na
realidade, de todos os animais, ele parece o menos preparado para
tirar conclusões apropriadas nas questões que afetam mais
desesperadamente o seu bem-estar.
Tente
imaginar um rato, no universo das ideias dos ratos, chegando a noções
tão ocas de plausibilidade como, por exemplo, o Swedenborgianismo, a
homeopatia, a danação infantil ou a telepatia mental. O instinto
natural do homem, de fato, nunca se dirige para o que é sólido e
verdadeiro; prefere tudo que é especioso e falso. Se uma grande
nação moderna se confrontar com dois problemas conflitantes — um
deles baseado em argumentos prováveis e racionais, o outro
disparando em direção ao erro mais óbvio —, ela, quase
invariavelmente, adotará este último. Isto se aplica à política,
que consiste inteiramente numa sucessão de asneiras, muitas das
quais tão idiotas que existem apenas como palavras de ordem ou
demagogia, não podendo ser reduzidas a qualquer declaração lógica.
Acontece
o mesmo na religião, que, como a poesia, não passa de uma partitura
orquestrada para negar as mais óbvias realidades. E é assim em
quase todos os campos do pensamento. As ideias que mais rapidamente
conquistam a raça, levantam os mais vibrantes entusiasmos e são
defendidas com a maior tenacidade, são justamente as mais insanas.
Isto pode ser provado desde que o primeiro gorila “avançado”
vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências. E
será assim até que os poderes superiores, finalmente cansados desta
farsa, exterminem a raça com um gigantesco e definitivo coquetel de
fogo, gases mortais e estreptococos.
Não
surpreende que a imaginação do homem seja a culpada por esta
singular fraqueza. Tal imaginação, eu diria, foi o que lhe permitiu
dar o seu primeiro salto sobre seus colegas primatas. Permitiu-lhe
visualizar uma condição de existência melhor do que a que ele
vinha experimentando e, pouco a pouco, tornou-o capaz de retocar o
quadro com uma certa realidade crua. E até hoje ele continua do
mesmo jeito. Quer dizer, ele pensa em qualquer coisa que gostaria de
ser ou ter, algo bem melhor do que ele já é ou já tem, e, então,
por um processo custoso e difícil de erros e acertos, gradualmente
chega ao que quer. Durante o processo, muitas vezes é severamente
punido por seu descontentamento com as sagradas ordens de Deus. Rói
as unhas, coça o queixo, tropeça e cai — e, finalmente, o prêmio
que ele tanto buscava derrete em suas mãos. Mas, aos pouquinhos, ele
segue em frente ou, na pior das hipóteses, passa o bastão a seus
herdeiros ou sucessores. Pouco a pouco, ele asfalta o caminho para
sua perna restante e conquista belos brinquedos para a mão que lhe
resta, com os quais brinca, e permite a seu olho ou ouvido
sobrevivente desfrutar aquela delícia.
Infelizmente,
nunca se contenta com este processo lento e sanguinário. Está
sempre em busca de algo cada vez mais distante. Vive imaginando
coisas além do arco-íris. Este corpo de imagens constitui seu
estoque de doces credulidades, fé e confiança — em suma, seu
fardo de erros. E este fardo de erros é o que distingue o homem,
mesmo acima de sua capacidade de chorar, seu talento para mentir, sua
excessiva hipocrisia e bazófia, de todas as outras ordens de
mamíferos. O homem é o caipira par excellence, um ingênuo
incomparável, o bobo da corte cósmica. Ele é crônica e
inevitavelmente tapeado, não apenas pelos outros animais e pelas
artimanhas da natureza, mas também (e mais particularmente) por si
mesmo — por seu incomparável talento para pesquisar e adotar o que
é falso, e por negar ou desmentir o que é verdadeiro.
A
capacidade para discernir a verdade essencial, de fato, é tão rara
nos homens quanto comum entre os corvos, sapos ou sardinhas. O homem
capaz desse discernimento é de uma qualidade mais do que
extraordinária — mesmo, talvez, que seja profundamente mórbido.
Demonstre uma nova verdade lastreada de qualquer plausibilidade
natural para uma multidão, e nem uma pessoa em 10 mil suspeitará de
sua existência, e nem uma em 100 mil irá adotá-la sem feroz
resistência. Todas as verdades duradouras que se impuseram ao mundo
no decorrer da História foram mais combatidas do que a varíola, e
todo indivíduo que as recebeu bem e lutou por elas foi,
absolutamente sem exceção, denunciado e punido como um inimigo da
espécie. Talvez o “absolutamente sem exceção” seja um exagero.
Eu o substituiria por “cinco ou seis exceções”. Mas quem seriam
essas cinco ou seis exceções? Deixo a resposta a cargo de vocês;
eu próprio não conheço nenhuma.
Mas,
se a verdade é sempre mal recebida, o erro é recebido de braços
abertos. Qualquer homem que invente uma nova imbecilidade recebe
salvas de palmas e torna-se o dono da verdade; para as grandes
massas, ele é o beau ideal da humanidade. Dê um giro pelos últimos
mil anos da História e você descobrirá que 90% dos ídolos
populares do mundo — não me refiro aos heróis de pequenas seitas,
mas a ídolos mundialmente populares — não passaram de mascates
baratos de nonsense. Tem sido assim em política, religião e em
qualquer outro departamento do pensamento humano. Mesmo tal mascate
já enfrentou alguma oposição, uma vez ou outra, de críticos que o
denunciaram como charlatão e o refutaram assim que ele abriu a boca.
Mas, ao lado de cada um deles, havia a titânica força da
credulidade humana, e isto bastava para destruir seus inimigos e
estabelecer sua imortalidade.
H.
L. Mencken, in O livro dos insultos
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