quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O gaiato

Era a explosão do novo ano: caos de lama e de neve, atravessado por mil carroças, cintilante de brinquedos e de bombons, repleto de cobiças e desesperos. Delírio oficial de uma grande cidade, feito para perturbar o cérebro do mais forte solitário.
No meio da algazarra e do burburinho, um burro trotava ligeiro, fustigado por um maroto armado de chicote.
Quando o burro ia dobrando uma esquina, junto à calçada, um cavalheiro todo enluvado, elegante, cruelmente engravatado e encarcerado numa roupa nova, inclinou-se cerimoniosamente diante do humilde animal e disse-lhe, tirando o chapéu: — Saúde e felicidade! Depois, voltou-se para os companheiros com um ar enfatuado, como para pedir-lhes que aplaudissem o seu contentamento.
O burro não viu o elegante gaiato e continuou a correr zelosamente para onde o chamava o dever.
Quanto a mim, tomou-me de repente uma raiva incomensurável daquele magnífico imbecil, que me pareceu concentrar em si todo o espírito da França.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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